Júlio Miragaya (*)
Vimos no artigo anterior que o Entorno Metropolitano é resultado da explosão populacional que ocorreu em Brasília após sua fundação. Se as chamadas cidades-satélites surgiram quando o povo mais pobre não “cabia” no Plano Piloto e suas adjacências (Lagos Norte e Sul etc.), o Entorno Metropolitano surgiu quando este povo sequer cabia nas cidades-satélites. E parcos 70 mil moradores em 1960, alcança hoje cerca de 1,3 milhão.
É do conhecimento geral que há um enorme abismo econômico e social entre o DF e o Entorno, mas o que talvez poucos saibam é que é o mais profundo entre núcleo e periferia considerando as 15 maiores regiões metropolitanas do País. Se o Entorno abarca 30% da população metropolitana, participa com míseros 6,5% de seu PIB e com pífios 6% da sua receita orçamentária.
O PIB do DF em 2019 (último dado disponível) foi de R$ 273,61 bilhões, 14 vezes maior que a soma do PIB dos 12 municípios metropolitanos (R$ 19,35 bilhões). Dessa forma, enquanto o PIB per capita do Entorno foi de apenas R$ 15.490, o do DF foi de R$ 90.743, 485% maior.
Disparidade ainda mais acentuada ocorre com a receita orçamentária. Para 2022, o orçamento do DF é estimado em R$ 48,54 bilhões (R$ 16,28 bilhões só do FCDF). Já a estimativa orçamentária para os 12 municípios da periferia metropolitana é de R$ 3,25 bilhões, 15 vezes menor. Dividindo-se o orçamento total pela população a ser atendida, observa-se que, no DF, o orçamento per capita resulta em quase R$ 16.000, enquanto a média nos municípios periféricos é de somente R$ 2.500, per capita, mais de seis vezes menor.
No âmbito da infraestrutura urbana, as diferenças são ainda maiores. Segundo as pesquisas da Codeplan (PDAD e PMAD), enquanto no DF cerca de 90% dos domicílios são ligados à rede geral de esgoto, na periferia metropolitana a rede contempla apenas 1/3 dos domicílios.
Enquanto no DF mais de 90% dos domicílios estão em ruas com coleta de águas pluviais, nos municípios periféricos o percentual é de apenas 12%. Perto de metade dos domicílios na periferia metropolitana tem problemas com esgoto a céu aberto, entulho, erosão e área em declive. Isto significa baixa qualidade ambiental e de vida.
Enquanto no DF o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é o maior do País, nos 12 municípios metropolitanos é sofrível. Cerca de 30% dos chefes de domicílio do DF têm ensino superior completo (chega a 86% no Lago Sul), mas nos municípios periféricos não passa de 7%.
E se o DF possui atualmente uma das maiores taxas de desemprego do país, superior a 18% (considerando o desalento e a “inatividade involuntária”), na sua periferia metropolitana a taxa beira os 30%. As disparidades são várias e acentuadas, semelhantes às que se observam na fronteira entre Israel e Gaza ou entre a Califórnia e o norte mexicano.
Corrupção
Bolsonaro diz, cinicamente, que em seu governo não há corrupção, como se não tivesse ocorrido corrupção na compra de vacinas e em obras no Rio pelo Ministério da Saúde; na cobrança de propina (em ouro) por pastores no MEC; na facilitação de exportação de madeira contrabandeada da Amazônia; na compra de tratores pelo “Orçamento Secreto”; nas obras superfaturadas (e inacabadas) da Codevasf; na compra de picanha, uísque, viagra e próteses penianas pelos “homens de bem” (ou de bens) do Exército; além da farra das rachadinhas e da privatização (doação) fatiada da Petrobras. Para abafar a apuração, ele simplesmente coloca as informações sob sigilo de 100 anos.
(*) Doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável, ex-presidente da Codeplan e do Conselho Federal de Economia