Júlio Miragaya (*)
Repetindo 2017, o 2º turno da eleição presidencial francesa será entre Emmanuel Macron e Marine Le Pen, direita versus extrema direita. Vendo assim, até parece que a esquerda não existe mais na França, o país da grande revolução antifeudal de 1789; da primeira revolução proletária da história, a Comuna de Paris em 1871; da resistência ao nazismo em 1940/45 e pioneira em inúmeras conquistas sociais da classe trabalhadora. Mas ela se mostrou forte no 1º turno, e só não foi ao 2º turno pela traição cometida pelos partidos Socialista (PS) e Comunista (PCF), além do Partido Verde (Ecologista).
Macron obteve 9,78 milhões de votos (27,8%), que somados aos 3,52 milhões (10%) dos outros 3 candidatos conservadores (Pécresse, Lassalle e Aignan) totalizaram 13,29 milhões de votos (37,8%) na tradicional direita francesa. Le Pen somou 8,14 milhões (23,2%), que somados aos 2,48 milhões (7%) de Zemmour resultaram em 10,62 milhões (30,2%) na extrema direita.
E quanto à esquerda? Jean-Luc Mélechon (França Insubmissa) teve 7,72 milhões (22%), que somados aos 3,51 milhões (10%) dos outros 5 candidatos de esquerda e centro-esquerda (Roussel, Hidalgo, Jadot, Poutou e Arthand) totalizaram 11,23 milhões (32%) na esquerda, 3,09 milhões acima dos obtidos por Le Pen e 610 mil acima dos dois candidatos da extrema-direita.
Em 2017, Mélenchon (com o PCF em sua chapa) obteve 19,6% dos sufrágios e ficou a apenas 618 mil votos de superar Le Pen e ir ao 2º turno contra Macron. Na atual eleição, foram apenas 421 mil votos a menos que Le Pen, mas se tivesse os 803 mil votos de Roussel (PCF), somaria 8,52 milhões de votos, superaria Le Pen em 382 mil e iria ao 2º turno com 24,2% contra 23,2% de Le Pen.
Por que o PCF não permaneceu com Mélechon? A mesma pergunta cabe ao PS e ao PV, que juntos, em 2017, obtiveram 6,4% dos votos válidos, resultado que repetiram em 2022, mas em chapas separadas (1,8% do PS e 4,6% do PV).
Os 2,24 milhões de votos no PS e PV somados aos 470 mil nos dois sectários candidatos nanicos da extrema esquerda totalizaram 2,71 milhões (7,72%), contingente superior ao obtido pelo outro candidato da extrema direita (Zemmour).
Mélechon realizou meeting com mais de 100 mil pessoas em Paris, marchou com os “coletes amarelos e com dezenas de milhares nas maiores cidades francesas. Por que razão o PCF, o PS e o PV sabotaram a ida de Mélechon ao 2º turno?
Simplesmente porque ele defende uma França insubmissa ao grande capital, restabelecendo os direitos sociais duramente conquistados e retirados pelos governos de direita (Chirac e Sarcozy em 1995/2012 e Macrom), mas também pelo próprio PS de Hollande em 2012/17. Porque ele defende uma França soberana, insubmissa ao imperialismo norte-americano, fora da OTAN, defendida pelo PS, PCF e PV.
Em síntese, não fosse o sectarismo, a irresponsabilidade, a traição à classe trabalhadora francesa desses três partidos, o eleitorado progressista francês não teria agora que optar entre Macron, que vem desmontando o Estado de Proteção Social, e Le Pen, que o fará caso eleita.
É como se os eleitores progressistas brasileiros tivessem que optar entre Dória e Bolsonaro. O sentimento de rebeldia da esquerda francesa não morreu. O que morreu e se acha insepulto são os aparelhos da social-democracia e da burocracia stalinista, sempre a serviço do grande capital.
Cena se repete no Brasil
A insistência de Ciro Gomes em manter uma candidatura inviável e seus repetidos ataques a Lula pode ter consequências similares ao caso francês.
Após a saída de Moro do páreo, com a maioria dos seus eleitores antipetistas retornando ao ninho bolsonarista, qual é o cenário, considerando os votos válidos na média das pesquisas sérias: Lula oscilando entre 47% e 49%; Bolsonaro entre 32% e 34%; Ciro de 9% a 11%; Doria, Leite e Simone entre 6% e 8%, e os quatro nanicos de 1% e 3%.
Em suma, se Ciro retirasse sua candidatura, com seu eleitorado migrando em massa para Lula, a eleição seria decidida no 1º turno, com Lula indo a algo entre 55% e 60%, sem o risco de um violento 2º turno.
O PDT com a palavra.
(*) Doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável, ex-presidente da Codeplan e do Conselho Federal de Economia