Há 53 anos, o diretor Júlio Bressane surpreendeu o Brasil com o filme “Matou a família e foi ao cinema”, que teve em 1991 nova versão de Neville de Almeida. O roteiro era de um jovem de classe média que, após matar os pais, vai tranquilamente assistir a uma sessão de cinema.
Pois há uma semana Bolsonaro surpreendeu o País ao, na manhã seguinte ao enterro da mãe, entrar impassivelmente numa lotérica em Eldorado (SP) e fazer uma aposta na Megassena, antes de embarcar de volta à Brasília.
Que ele não manifeste empatia pelas quase 630 mil famílias em luto por parentes mortos pela covid-19, ninguém mais se espanta, mas tamanha falta de consideração com a própria mãe é estarrecedor.
Mas o que esperar de um elemento que tem como ídolo o torturador Ustra.
Sérgio Moro
Outro que não surpreende mais ninguém é o Marreco de Maringá. Moro reclamou de perseguição após o TCU pedir-lhe para declarar quanto recebeu como sócio-diretor da Alvarez & Marsal, consultoria norte-americana que recebeu R$ 65 milhões (78% de todo seu faturamento) de empresas em processos de recuperação judicial e falência atingidas pela operação Lava Jato.
Não era Moro que recorria a grampos ilegais e delações forjadas para tornar tudo transparente ao povo brasileiro? E agora se recusa a tornar transparentes seus ganhos às custas de empresas que ajudou a quebrar.
Pimenta nos olhos dos outros é mesmo refresco.
Após seis anos de Temer, Moro e Bolsonaro, o brasileiro vê a inflação e o desemprego nas alturas, a disseminação da miséria e da fome, enquanto cresce de forma meteórica a riqueza dos super ricos. Para piorar, o endividamento das famílias atingiu patamar recorde.
Não vai ser fácil recolocar o Brasil nos trilhos a partir de 2023!
Elza e Elis
Os dias finais de janeiro trouxeram notícias e lembranças díspares. De um lado, a irônica morte por covid do negacionista Olavo de Carvalho, guru do clã Bolsonaro e da extrema direita tupiniquim. De outro, a morte e a lembrança dos 40 anos de falecimento de duas excepcionais intérpretes da MPB: Elza Soares e Elis Regina.
Eleita pela BBC como a cantora brasileira do milênio, Elza, de vida e carreira longas, morreu exatos 40 anos após a morte de seu grande amor, Mané Garrincha. Já Elis, a mais linda, agradável e marcante voz de nossa música, morreu há 40 anos, com apenas 36 anos de vida.
Ambas tinham origem popular: Elis, nascida na Vila do IAPI, bairro pobre de Porto Alegre, e Elza, na Vila Vintém, favela do Rio de Janeiro. Ambas foram precoces: Elis, aos 12/13 anos, já exibia sua bela voz em festinhas na capital gaúcha; e Elza cedo se exibia em programas de auditório nas rádios cariocas. Ambas sofreram preconceito: Elza de descarado racismo e Elis pela baixa estatura. Mas ambas eram rebeldes, sem papas na língua. Ao ser arguida de forma sarcástica pelo apresentador Ari Barroso: “De que planeta você veio, minha filha?”, Elza respondeu na lata: “Do planeta fome!”.
Interpretaram o cotidiano do povo brasileiro, suas dores e amores; contestaram a elite econômica e política, não se dobraram à ditadura, e por esta foram perseguidas. Mesmo após 40 anos, a voz de Elis está bem viva em nossas memórias interpretando “O Bêbado e a Equilibrista” (hino da anistia); “Atrás da Porta”; “Como nossos pais”; “Maria, Maria”, “Madalena; “Tiro ao Álvaro”; “Águas de março”; “O mestre sala dos mares”; “Gracias à la vida” etc etc. E como esquecer a voz rouca de Elza cantando “Se acaso você chegasse”; “Mulata assanhada”; “Malandro”; “Volta por cima”; “Salve a Mocidade” etc etc.
São verdadeiras guerreiras do povo brasileiro.
(*) Doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável, ex-presidente da Codeplan e do Conselho Federal de Economia
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** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasília Capital