O Brasil vive um dos períodos mais difíceis e tristes de sua história: a economia vai encolher de 7% e 10% no ano; o desemprego, somado ao trabalho precário, atinge o patamar recorde de 30 milhões de brasileiros; a fome voltou a atormentar cerca de 4 milhões de lares; a corrupção se mantém como um câncer corroendo as entranhas da sociedade, e tanto a atividade política como as relações interpessoais são cada vez mais arrastadas para um turbilhão de intolerância, ódio e degradação moral.
Qualquer estrangeiro que tivesse visitado o Brasil há dez anos e hoje aqui retornasse, teria muitas dificuldades em reconhecer nosso país. Até para nós mesmos está difícil entender o que se passou. O sentimento individualista, egoísta, de cada um por si, prospera em nossa sociedade. Nunca o ditado “farinha pouca, meu pirão primeiro” foi tão presente em nosso meio.
Neste cenário de aprofundamento da crise econômica e de agravamento da crise social, é estarrecedor observar o Congresso Nacional debater, de forma cínica, a retirada ou encolhimento de direitos sociais como o BPC, o abono salarial e o seguro desemprego, enquanto discute uma reforma superficial em nosso sistema tributário, mantendo sua natureza regressiva, ou seja, trocando seis por meia dúzia. Nada mais coerente. Afinal, uma das composições mais reacionárias de nosso Parlamento certamente não mexeria no principal mecanismo de concentração da renda e da riqueza em nosso país.
Via de regra, nas sociedades capitalistas o sistema tributário é um instrumento de redistribuição da renda, arrecadando mais dos que se apropriam de uma parcela maior da riqueza social, isentando os de menor poder aquisitivo e direcionando os tributos recolhidos prioritariamente para o atendimento das demandas sociais. Ocorre que no Brasil ele não funciona assim, mas ao contrário.
Estudo de qualificados pesquisadores do IPEA revela que trabalhadores com renda inferior a três salários mínimos mensais recolhem para o Fisco, proporcionalmente, mais do que aqueles com rendimento superior a 50 mínimos. E pior: os tributos vão atender notadamente os situados no topo da pirâmide social.
O fato é que o Brasil é tido, internacionalmente, como exemplo de país em que o sistema tributário vem agravar a já péssima distribuição da renda e da riqueza. É neste quadro desolador, em que o presidente desdenha de uma pandemia que infectou mais de 5 milhões de brasileiros e matou mais de 150 mil, que marchamos celeremente para fecharmos mais um ano de frustrações e retrocessos.
Que os tempos bicudos tenham um fim breve!
(*) Doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável, ex-presidente da Codeplan e do Conselho Federal de Economia