Orlando Pontes e Zilta Marinho
Ao longo dos 516 anos após a chegada das caravelas portuguesas ao litoral baiano, o Brasil registrou raros e curtos espasmos de crescimento do acesso das classes menos favorecidas às benesses do Estado. Desde o início, os descobridores primaram pela exploração dos primeiros habitantes desta Terra de Santa Cruz, aos quais chamaram de índios.
Quando pensaram em expandir a agricultura e a exploração das nossas riquezas naturais, como madeira e ouro, e diante da resistência dos silvícolas em se submeter às suas regras “civilizatórias”, importaram negros africanos, que foram escravizados. Foram séculos de barbaridades, e o Brasil foi o último país a abolir escravatura, num processo que se arrastou por 66 anos até a promulgação da Lei Áurea.
Mas, na prática, a submissão dos menos favorecidos ainda ocorre nos dias atuais, 128 anos após assinatura da abolição pela Princesa Isabel. Isto se dá porque a alforria dos escravos não foi precedida, e muito menos sucedida, de políticas de inserção dos negros na sociedade, por meio, por exemplo, de escolas públicas de qualidade ou igualdade nas oportunidades de trabalho. Os negros, analfabetos, foram empurrados para as periferias e continuaram trabalhando em subempregos, nos quais, historicamente, ganham menos do que os brancos.
A elite branca, mesmo após a implantação da República, segue ocupando os cargos de comando e se rebelando sempre que vê seus privilégios ameaçados. Em momentos de crise – e eles são muito comuns –, a tática é a mesma: convocar a sociedade para dar sua cota de sacrifício. E a receita não muda: corte de benefícios, redução de salários e aumento de impostos. Claro que a parte mais salgada dessa conta acaba sobrando para quem está na base da pirâmide social.
O recém-empossado governo interino de Michel Temer já mostrou a que veio na primeira semana. Após assumir o lugar da titular Dilma Rousseff (PT), o vice montou um ministério de homens brancos e bem-sucedidos e entregou a economia a um legítimo representante da banca internacional – o ministro da Fazenda, Henrique Meireles. E ele não perdeu tempo. Nomeou uma equipe de economistas afinados com o mercado financeiro e com a ideologia dos partidos que vêm sendo derrotados sucessivamente nas urnas desde 2002, quando Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito pela primeira vez para ocupar o Palácio do Planalto.
O governo interino fez os primeiros cálculos e concluiu que o déficit fiscal em 2016, estimado pela equipe de Dilma em R$ 96 bilhões, pode chegar a R$ 150 bilhões. É o velho discurso da “herança maldita”. Para resolver o problema, sinaliza com uma correção de rumos que promete doer. E o sapato vai apertar mais no pé daqueles que estão por baixo. Afinal, os detentores das grandes fortunas, capitaneados pela poderosa Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), já deixaram claro que não vão pagar o pato, e não aceitam tributos que atinjam diretamente em seus bolsos, como a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira).
Mas as soluções não se resumem à revisão da meta fiscal. Com altos índices de desemprego, que pode chegar a 14% neste ano, segundo Henrique Meireles, algumas medidas drásticas devem ser adotadas, a começar por uma nova política de Previdência Social. Elas passarão pelo enxugamento da máquina pública, com a redução de nove ministérios e a demissão de 4 mil ocupantes de cargos comissionados.
Na pauta da revisão dos critérios para a aposentadoria, algumas das alegações são o envelhecimento da população, a queda da natalidade e o aumento da expectativa de vida. Não se fala em rever desonerações ou isenções dadas às grandes empresas, nem de ir atrás dos grandes sonegadores das contribuições previdenciárias, que ampliam o rombo do sistema público em bilhões de reais. O apontamento é no sentido de aumentar a idade da aposentadoria para 65 anos, para homens e mulheres.
Outro ponto que assombra os trabalhadores são os ajustes na Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT. Organizada na década de 1930, no governo de Getúlio Vargas, esse conjunto de leis assegura direitos trabalhistas historicamente contestados pelos grandes empregadores. Agora, aproveitando a onda de arrochos temeristas, discute-se como alternativa para o emprego formal com carteira assinada a terceirização dos serviços, já em prática, mas não plenamente regulamentada. Mas não há consenso, principalmente por parte da maioria das centrais sindicais.
A reedição da CPMF foi proposta pelo governo Dilma e jamais posta em votação pelo presidente afastado da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que durante um ano sabotou o governo com a chamada “pauta bomba”. A equipe econômica de Temer está debruçada sobre planilhas e cálculos, mas não descarta a reedição da medida ou o aumento de tributos como a CIDE – Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – sobre os combustíveis.
Há um esforço para que seja reduzido o número de impostos, bem como sua simplificação e a unificação da legislação do ICMS, uma das reivindicações dos manifestantes que desde 2013 vão às ruas apoiar o movimento liderado pela Fiesp. Também se pretende desonerar as exportações e reduzir as exceções para que grupos parecidos paguem impostos parecidos.
No quesito impostos, aliás, a bronca é geral, unindo empregados e empregadores, uma vez que o Brasil é um dos piores países do mundo em relação ao retorno em serviços para a população a partir dos tributos arrecadados pelo Estado.
Outra preocupação é a possível política de privatizações por meio de transferências dos ativos e concessões nas áreas de logística e infraestrutura. Também estão previstas parcerias para complementar a oferta de serviços públicos e a retomada no antigo modelo de concessões na área de óleo e gás. A Petrobras receberá aportes financeiros e terá seus gastos controlados com o máximo rigor.
O governo interino busca uma estabilidade da relação dívida/PIB e uma taxa de inflação no centro da meta de 4,5% ao ano. Em 2015, a inflação passou dos 10%. A equipe de Meireles também trabalha para a redução dos juros básicos reais.
Se conseguir aprovar tudo isso no Congresso, Temer imporá aos brasileiros, nos próximos três anos, uma fase de profundo recatamento de gastos e pesado arrocho tributário e financeiro. Quem tiver cintura que se rebole.
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