Culturalmente, somos ensinados que a nossa existência se dá para o outro. Papéis são criados e designados a nós, sendo implícita a essa designação, responsabilidade para com o outro.
Vivemos uma hierarquia de respeito que desde cedo nos separa e nos qualifica sem considerar a condição inata e comum de existência de todos nós, que é a de seres humanos. A partir daí, valores e ideais são criados e inseridos em um contexto pronto. Tomamos como nosso o que é imposto.
Ao nos tratarmos com sentido de posse – “meu pai”, \”minha mãe”, “meu namorado”, “meu amigo”, etc. –
colocamos também toda nossa expectativa sobre os papéis que as pessoas desempenham em nossas vidas.
Criamos, então, uma função para cada uma, que, se não realizada, nos traz o sentimento de frustração e vários outros decorrentes deste, como, insegurança, desvalia, dentre outros.
Tais sentimentos contribuem para uma baixa autoestima e, assim, é gerada uma cadeia de insatisfações e comportamentos correspondentes que, muitas vezes, acabam trazendo consequências imensuráveis e
insustentáveis.
Podemos tomar como referência os diversos casos de feminicídio, por exemplo, que têm acontecido Brasil a fora. Ao viverem a fantasia da posse, sentimentos de ciúmes e perda vêm como ameaça. A fragilidade do eu, na tentativa de defesa, se manifesta com agressividade voltada para o outro, como se o outro fosse responsável pelo eu e por todos os sentimentos que me permeiam.
Um eu vazio de si não se percebe diferente do outro, não se reconhece e não reconhece o outro e quando se percebe “sozinho”. Não encontra formas para lidar. Esse é o ponto chave para a nossa saúde mental: o eu como senhor de si mesmo.
O eu só, capaz de ser em si, fonte de toda realização, autônomo e independente, ser-com- o-outro, protagonista de sua própria existência. Afinal, nos constituímos da troca existente em nossas interações, troca de particularidades, que nos agrega e nos compõem.