Os relatos dos sobreviventes e testemunhas do desabamento de 600 m² do viaduto sobre a Galeria dos Estados, no Eixão Sul, terça-feira (6), levam a crer em milagre o fato de ninguém ter saído ferido ou morto do incidente. Mas, o professor aposentado do Departamento de Engenharia Civil da Universidade de Brasília (UnB), João Carlos Teatini, não tem dúvida: foi um milagre. “Deus é candango”, acredita o acadêmico.
Ainda no final da tarde de terça, seis horas após a queda das três pistas, destruindo quatro automóveis e provocando outros danos materiais ainda não calculados, Teatine concedeu entrevista ao Brasília Capital. Contou detalhes do estudo que fez há doze anos para GDF sobre a situação de 17 viadutos na área central do Plano Piloto – incluindo aquele que veio abaixo quinze minutos antes do meio no local onde funcionava um restaurante que abria para o almoço.
Antes de tomar conhecimento das medidas anunciadas horas depois pelo governador Rodrigo Rollemberg, como mudanças no trânsito, interdição da área em torno do viaduto pelo menos até o próximo dia 19, e liberação de R$ 50 milhões para obras emergenciais em viadutos e pontes do DF, culminando com a demissão do diretor-geral do DER, Henrique Luduvice. na quarta-feira (7), Teatini avaliou que será mais barato e eficaz implodir toda a estrutura afetada pelo incidente e construir uma nova. E não poupou críticas aos governantes em geral.
“Manutenção permanente é a Cinderela, é o primo pobre. Ninguém dá atenção. Para a maioria dos governantes, o que dá voto é construir coisas novas, bonitas, impactantes. Isso, inclusive, bom até para caixa de campanha”, dispara o professor.
O desabamento do viaduto no Eixão Sul, sobre a Galeria dos Estados, é um acaso ou uma tragédia anunciada? Primeiro, eu não gosto de usar a palavra acidente, que é quando ocorre uma coisa totalmente imprevisível. Eu também não vou dizer que seria uma crônica de uma morte anunciada, porque é um pouco pesado.
Mas o senhor é um dos autores de um estudo técnico que previa esse perigo… Em 2006, eu e o professor Antônio Nepomuceno fizemos um parecer técnico para a extinta Agência de Infraestrutura e Desenvolvimento Urbano do GDF – Agindu –, que era ligada à Secretaria de Obras. Foi um trabalho longo, de oito meses, onde nós fizemos uma vistoria bastante pormenorizada, de 17 viadutos em torno da rodoviária. Incluia este. Inclusive, era um viaduto bastante importante, porque era muito diferente dos demais.
Naquele momento, já existia necessidade de manutenção? – Não só ele. A conclusão do nosso trabalho é que os 17 viadutos foram considerados em estado crítico. Isto significava que a intervenção na estrutura deveria ser feita num prazo de seis meses a 12 meses, no máximo.
E nada foi feito nesses quase 12 anos? – Alguns desses viadutos o atual governo recuperou. Mas não chegou à metade dos 17 que precisariam passar por recuperação.
Então essa negligência vem de longe… São no mínimo três governos. É importante notar que esse trabalho começou porque houve a queda de uma laje no começo da Asa Norte, no viaduto conhecido como Buraco do Tatu. Houve a ruptura da laje superior.
O senhor diria que a estrutura da rodoviária também está comprometida? – A rodoviária, são vários viadutos. Nós fazemos – nós que eu falo é uma equipe da UnB – um grande trabalho, de 1995 a 1998, de recuperação e reforço da plataforma superior da rodoviária de Brasília, que é uma estrutura fantástica, construída na primeira obra de Brasília, com lajes e vigas de 30 metros e 36 metros com concreto protendido.
O que é o concreto protendido? – É onde o aço é esticado antes, quando se lança o concreto. É um aço especial, de uma resistência muito maior. N entanto, esse aço ele tem que ser muito protegido contra a corrosão. Porque ele é um aço muito forte. A ação da corrosão sobre ele é muito mais prejudicial. E todas essas estruturas de que estou falando, em geral, são de concreto protendido. Portanto, a proteção deste aço dentro do concreto tem que ser muito mais fiscalizada.
Como é que se faz isso? – O que se faz primeiro é impedir a entrada de água e de poluição.
Seria uma questão de impermeabilização? – Não só a impermeabilização, mas impedir uma coisa que é muito comum, que são as juntas de dilatação. Elas têm que existir em todas as pontes, para permitir que a estrutura se deforme. Numa ponte, por exemplo, os veículos passam por cima, inclusive ônibus e caminhões. Isto deforma a estrutura. Então, naquele viaduto que desabou, por exemplo, tem uma junta. Ali, onde tem uma junta, vai ter uma calha, um lugar que passa água. Essa água não deve ir para dentro da estrutura. Tem que ser protegido para que não vá água para dentro da estrutura. Isso exige um trabalho de proteção prévia e manutenção periódica.
Exatamente o que nenhum governo fez… Manutenção permanente é considerada, segundo um termo de um livro inglês, a “Cinderela”, o primo pobre. Ninguém dá atenção. Para a maioria dos governantes, o que dá voto é construir coisas novas, bonitas, impactantes. Isso, inclusive, falando preto no branco, é bom até para caixa de campanha. Então, nessas horas ninguém lembra que tem que manter o antigo.
Estamos falando de um problema que seria possível prevenir se houvesse investimento. Eu fiz uma pergunta que não sei responder: quantos viadutos e pontes existem no DF? Mas eu acho que o governo deveria ter a resposta. São 31 administrações regionais. Caberia a cada administrador saber o total de sua região. São questões assim que eu considero grandes, se você considerar o DF como um todo. Existe uma Secretaria das Cidades. Por que o secretário das Cidades não faz um trabalho desse? Administrar é dividir responsabilidades. Desde o início, o governo vem se queixando que não tem dinheiro. A crise financeira é tão profunda que justifique o abandono dessas obras? – Eu acho que não. Em primeiro lugar, o governo tem que evitar a perda de vidas humanas. Quando eu vi aquilo que caiu eu falei: “Deus é candango”. Se fosse aquela outra via, do lado onde as pessoas viram para ir para a Asa Sul, seria uma tragédia, com muitas mortes. Ali mesmo, é um restaurante. Era hora do almoço. A única explicação é a seguinte: “Deus é candango”. Como se explica naquela hora não ter ninguém ali embaixo! Se fosse a outra pista, onde tem sinal e param muitos carros, com certeza pegaria meia dúzia de veículos.
Como pode ser feita a recuperação de tamanho estrago? – Agora, eu vou fazer uma previsão um pouco pesada, mas não acredito que aquilo seja possível recuperar. Porque o custo da recuperação vai ser elevadíssimo.
Qual a solução? – De imediato, vai ter que escorar toda a parte que sobrou, sob risco de cair, porque a estrutura é toda igual. Se não desabou agora, o risco é igual na outra parte. Mais iminente.
As primeiras especulações davam conta de que o problema foi causado pela chuva… – Não foi por causa de chuva. Em Brasília até chove pouco.
Ficará mais barato derrubar tudo e construir de novo do que recuperar o que sobrou? – Pelas condições da estrutura de corrosão nos cabos, substituir tudo isso seria um custo incalculável. Para mim, seria muito mais viável implodir aquilo, retirar e fazer até com outra forma, com uma tecnologia mais moderna.
Mas isto não comprometeria as regras do tombamento de Brasília? – É uma coisa que o Iphan não gosta que se fale, que aquela estrutura é uma laje dupla, chamada “caixão perdido”. Até o nome se justifica. No caixão perdido não se consegue fazer manutenção. O Iphan não gosta porque não se consegue ver nada por baixo. No entanto, se você verificar todos os viadutos novos, como da L4, você vê estrutura e fazer uma boa manutenção. No entanto, o Iphan defende que tem que manter, porque foi assim que se construiu.
O “caixão perdido” é como se fosse um forro de gesso numa construção comum? – Exatamente. Eu até já conversei com outros diretores do Iphan, que não vejo necessidade desse forro. Mas, se o Iphan insistir, que faça um forro de placa. Por exemplo, de argamassa armada, que você pode tirar e substituir quando quiser.
O Iphan se preocupa na conservação da cidade, mas pode estar sendo negligente na preservação de vidas? – Eu acho que, às vezes, o excesso de conservadorismo não ajuda em nada. As cidades têm uma dinâmica. Se você fala: “caiu agora esse viaduto”. Se matasse muita gente, o que o Iphan ia fazer? Ia justificar: “Nós usamos isso aqui porque o Lúcio Costa gostava, porque a filha do Lúcio Costa, Maria Elisa Costa, até hoje gosta”. E a sociedade? As pessoas que perderiam seus filhos? E os filhos que perderiam seus pais? E o prejuízo material dos carros esmagados? E o custo da reconstrução? Quem vai pagar?
Já houve tentativa de mudar essa prática? – Quando foram recuperados os viadutos em volta da rodoviária, nós sugerimos, eu e o colega que fez o laudo, que fossem colocadas placas removiveis. O Iphan não autorizou. Resultado: fizeram uma laje por baixo. Aí você fala o que? Foi o Iphan que quis. E outra coisa: essa laje por baixo, pela movimentação da estrutura, vai trincar.
O senhor tem alguma sugestão para Brasília parar de tomar esses sustos? – Quando caiu o Palace 2, no Rio de Janeiro, onde morreram oito pessoas, o Rio de Janeiro aprovou uma lei exigindo que toda construção deveria ter um seguro.
O que é um seguro da construção? – Qualquer empresa para construir uma parede tem que ser habilitada. No Brasil isso não existe. Uma empresa que faz uma obra e essa obra cai, ela troca de nome e os responsáveis técnicos vão construir e fazer os mesmos erros.