A Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh) concluiu, segunda-feira (28), mais uma etapa do projeto de revitalização do Setor Comercial Sul de Brasília. Um debate virtual que durou mais de seis horas e teve a participação de cerca de 200 pessoas avançou na transformação em residência de até 30% (150 mil m²) da área construída do local, que tem 500 mil m². A estimativa é de que o novo bairro receba até 8 mil moradores.
O titular da Seduh, Mateus Oliveira, explicou a proposta do GDF ao Brasília Capital. Ele lembrou que a transformação de salas em apartamentos é uma determinação do governador Ibaneis Rocha (MDB) em cumprimento ao que prevê o Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT) de 2009.
“Estamos olhando para o SCS como uma região degradada. A partir daí, criamos o programa Viva Centro!, que atacará o problema em cinco frentes – qualificação dos espaços urbanos, habitação, social, fortalecimento cultural e desenvolvimento da economia local – com ações que devem caminhar lado a lado para dinamizar o setor”, disse.
Segundo o secretário, o GDF não pretende impor o seu projeto. Por isso, está abrindo debates com a comunidade para ouvir sugestões que serão incorporadas à proposta que será encaminhada à Câmara Legislativa, em novembro, após o cumprimento da exigência legal de realizar uma audiência pública. “Todas as contribuições serão avaliadas”, garante Oliveira.
Comitê – O titular da Seduh informa, ainda, que será criado um comitê gestor com participação paritária de representantes do GDF e da sociedade civil. A proposta também será submetida ao Conplan (Conselho de Planejamento Territorial e Urbano) e ao Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) antes de ser encaminhada aos deputados distritais. O Iphan precisa ser ouvido por se tratar de uma área tombada.
Os cinco eixos do PLC que está sendo discutido com a sociedade formam o programa Viva Centro!. A flexibilização de uso dos imóveis comerciais nas quadras 1 a 6 é apenas uma das propostas. “A permissão do uso residencial em 30% dos imóveis é uma forma de evitar o esvaziamento do local fora do horário comercial. Queremos levar pessoas para lá e, com isso, dar vida para o setor, especialmente à noite e nos fins de semana”.
Conviver com o barulho
Os apartamentos terão 60 m², sem garagem. Os moradores precisarão se adaptar à convivência com os ruídos dos movimentos culturais que serão mantidos e incentivados no setor. O objetivo do governo é criar um bairro para pessoas com renda até 12 salários mínimos, de preferência solteiras ou casais sem filhos.
“São imóveis destinados a um público jovem. De preferência, pessoas que possam ir a pé para o trabalho ou para os eventos culturais”, diz o secretário. Quanto à ausência de garagens, ele acredita que se adequa ao conceito da juventude atual, que dá preferência ao uso de veículos de aplicativos, em vez de ter carro próprio.
Para manter as características comerciais do setor, não será permitida a ocupação residencial no térreo, subsolos e sobrelojas, assim como a demolição e reconstrução dos edifícios. Os interessados em aderir ao projeto pagarão uma outorga onerosa de alteração de uso (Onalt) à Terracap.
A taxa será revertida em apartamentos que serão doados para o GDF destinar como habitação de interesse social na Política Habitacional do DF, como uma contrapartida dos empresários, e serão encaminhados para a Codhab (Companhia de Desenvolvimento Habitacional).
CEB atesta ociosidade
O índice de 30% de desocupação dos imóveis do Setor Comercial Sul foi levantado a partir das contas da Companhia Energética de Brasília (CEB). “Ociosidade é indicativo de abandono”, afirma Mateus Oliveira
O secretário de Desenvolvimento Urbano afirma que não interessa ao governo saber quais são esses imóveis nem a quem eles pertencem. “O importante é que eles cumpram a sua função social, como comércio, serviço ou residência”.
Segundo o titular da Seduh, não procede o argumento de desvirtuamento do projeto original de Brasília. “Lúcio Costa deixou claro no seu Plano Urbanístico que não se tratava de exclusividade de uso, mas, sim, de preponderância. Estamos reservando 70% dos espaços para atividades empresariais”.
Obras – Enquanto cuida da parte legal de viabilização do PLC que pretende encaminhar ao Parlamento, o GDF já executa obras de melhorias do SCS, como a revitalização da Praça do Povo e dos becos das quadras 3 e 5.
Mateus Oliveira afirma que o governo continua aberto a receber sugestões da população de Brasília. Quem tiver interesse em contribuir com o projeto pode encaminhar e-mail para: vivacentro@seduh.df.gov.br.
A morte do projeto de Lucio Costa
Chico Sant’Anna (*)
Permitir residências no Setor Comercial Sul, área gregária de Brasília, tem o mesmo peso de agressão ao projeto de Lúcio Costa que teriam a construção de um shopping no canteiro central da Esplanada dos Ministérios, ou de colocar estabelecimentos industriais no interior das superquadras.
Fere o diferenciado conceito urbanístico reconhecido pela Unesco. Acabar com a diferenciação é dotar Brasília de formatos urbanos iguais às outras metrópoles, arriscando a perder a condição de Patrimônio da Humanidade.
O pior: as alterações propostas pelo GDF estão em um único artigo de um projeto de lei que tem por finalidade dinamizar o cotidiano do SCS. A Constituição e a LODF são claras em definir que mudanças urbanísticas devem se dar por meio do Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT).
No caso da área tombada, o caminho é o Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB). Portanto, introduziram um jabuti que altera o Plano Piloto em um projeto juridicamente inadequado.
Para proteger Brasília da especulação imobiliária, José Aparecido, primeiro governador do DF após 30 anos de ditadura militar, idealizou o tombamento do projeto de Lúcio Costa.
Vislumbrou que, sem mudanças de rumos, o símbolo da modernidade urbanística, logo iria perder seus diferenciais e tornar-se uma metrópole qualquer.
O que foi considerado com Patrimônio Histórico da Humanidade não foram as edificações. O que foi “tombado” mundialmente foi o conceito urbanístico da cidade. O Projeto de Lúcio Costa vai muito além dos dois eixos que formam as zonas residencial e institucional.
Baseado em características da moderna arquitetura de então, ele desenhou uma cidade dotada de quatro escalas (residencial, monumental, gregária e bucólica) com condições diferenciadas para que os moradores desfrutassem a diversidade da cidade.
Essa concepção urbanística está preservada no decreto 10.829/1987, marco jurídico exigido pela Unesco como pré-requisito para outorgar tão honrosa condição de Patrimônio Cultural da Humanidade. Alterá-la é um crime.
(*) Jornalista e pioneiro – especial para o Brasília Capital