Desde domingo (9), o ministro da Justiça Sérgio Moro vem descobrindo o que significou a troca da toga de magistrado pela fantasia de político. A publicação pelo site The Intercept Brasil de mensagens que apontam sua ligação estreita com o procurador Deltan Dallagnol no processo que condenou mais de 1000 pessoas no âmbito da Operação Lava Jato, entre elas o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva – que cumpre pena há um ano em Curitiba – colocou o ex-juiz no centro de um furacão.
Os diálogos divulgados, e que não foram desmentidos pelo ministro, mostram que Moro mantinha intensas conversas privadas com o coordenador da Lava Jato pelo aplicativo Telegram, com orientações, broncas, elogios e até dicas de fontes que a força-tarefa deveria ouvir nas investigações que os procuradores conduziram para condenar Lula.
Esse comportamento fere princípios constitucionais e do Código Penal Brasileiro. Vai contra, ainda, uma posição que o próprio Moro sempre adotou. “Eu não tenho estratégia de investigação nenhuma. Quem investiga e quem decide o que vai fazer é o Ministério Público e a Polícia [Federal]. O juiz é reativo, o juiz normalmente deve cultivar virtudes passivas… e até me irrita ver críticas infundadas dizendo que eu sou um juiz investigador”, disse ele em palestra na Associação Nacional dos Auditores Fiscais em Curitiba, há três anos.
A avalanche de notícias põe em dúvida sua atuação. A defesa de Lula enviou ao Supremo Tribunal Federal uma nova manifestação em que aponta como prova da parcialidade do ex-juiz as conversas dele com procuradores da força-tarefa da Lava Jato, no Paraná. A peça foi enviada para apoiar outros argumentos já presentes em um habeas-corpus no qual os advogados pedem que o STF declare a suspeição de Moro. O processo está marcado para ser julgado em 25 de junho, na Segunda Turma do Supremo.
Para os advogados do ex-presidente, a troca de mensagens demonstra “situações incompatíveis com a ‘exigência de exercício isento da função jurisdicional’ e que denotam o completo rompimento da imparcialidade objetiva e subjetiva”. A defesa abre a peça com uma citação do próprio Moro, na qual o ex-juiz comenta, em entrevista ao programa Conversa com Bial, da TV Globo, sobre a divulgação, em 2016, do áudio de uma conversa entre a ex-presidente Dilma Rousseff e Lula, posteriormente considerada irregular pelo STF.
“O problema ali não era a captação do diálogo e a divulgação do diálogo, o problema era o diálogo em si, o conteúdo do diálogo, que ali era uma ação visando burlar a Justiça, e esse era o ponto”, disse Moro na ocasião. Após a divulgação das conversas pelo site, o ministro não negou a existência ou o teor da troca de mensagens, mas disse não ver nada de comprometedor. Segundo o Ministério da Justiça, as declarações publicadas pelo The Intercept foram obtidas de forma criminosa.
Na quarta-feira (11), o jornalista Reinaldo Azevedo revelou nova mensagem do aplicativo Telegram obtida pelo The Intercept. O trecho sugere que a força-tarefa da Lava Jato contava com o apoio do ministro Luiz Fux, do STF. Em abril de 2016, segundo o vazamento, o procurador federal Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato no Paraná, contou a Sérgio Moro ter encontrado Fux e que o magistrado disse para “contarmos [a força-tarefa da Lava Jato] com ele para o que precisarmos, mais uma vez”. Moro respondeu: “In Fux we trust” (confiamos em Fux, em inglês).
A mensagem foi enviada por Dallagnol a procuradores em um grupo de discussão do Telegram, no dia 22 de abril de 2016, e repassada a Moro no mesmo dia. A conversa ocorreu pouco mais de um mês após Moro ter retirado o sigilo de dezenas de áudios de ligações de Lula, um episódio que agravou a crise em torno da então presidente Dilma Rousseff. Moro, então juiz de primeira instância, havia sido repreendido pelo ministro do STF Teori Zavascki (morto em um acidente aéreo em 2017), então relator da Lava Jato na Corte, pela liberação dos áudios.
Na mensagem, Dallagnol relata ter conversado com Fux sobre o assunto: “Reservado, é claro: O Min Fux disse quase espontaneamente que Teori fez queda de braço com Moro e viu que se queimou, e que o tom da resposta do Moro depois foi ótimo. Disse para contarmos com ele para o que precisarmos, mais uma vez. Só faltou, como bom carioca, chamar-me pra ir à casa dele rs. Mas os sinais foram ótimos. Falei da importância de nos protegermos como instituições”, relatou Dallagnol.
Fux informou, por meio de assessoria, que não irá comentar assunto. O MPF comunicou que não fará nova manifestação. Moro também não fez, até o fechamento desta matéria, sexta-feira (14), uma declaração sobre o novo vazamento. Talvez seja mesmo dispensável. Afinal, como ele próprio disse três anos atrás, “o problema não é a captação do diálogo e sua divulgação, o problema é o diálogo em si e seu conteúdo, que é uma ação visando burlar a Justiça”. Este é o ponto.