Bezerra da Silva, sem saber, definiu bem a condução da campanha de vacinação contra a covid-19 do Distrito Federal nesta primeira fase: “Farinha pouca, meu pirão primeiro”. Não há doses suficientes para todas as 190 mil pessoas previstas no plano local de vacinação.
Diante disso, foram estabelecidos níveis de prioridade dentro do grupo. E os critérios para essa definição, segundo o Ministério da Saúde, o bom senso e o princípio da impessoalidade do serviço público, são exposição ao risco de infecção e possibilidade de morte em decorrência das complicações da covid-19.
A lógica de vacinar primeiro os trabalhadores da saúde é mantê-los saudáveis para continuarem atendendo, sejam os pacientes da covid-19, sejam os que sofrem com outras doenças, que continuam exigindo cuidados do mesmo jeito que antes da pandemia.
Priorizar os idosos e doentes crônicos significa prevenir que desenvolvam os sintomas graves da doença e evitar a ocupação prolongada dos leitos hospitalares e um eventual colapso do sistema de saúde.
Os episódios de autoridades e de influenciadores digitais, como em Manaus, furando a fila da vacinação ganharam destaque nos noticiários, renderam processos administrativos, demissões, investigações e processos judiciais. Depois do escândalo, a maioria dos estados e municípios brasileiros parece estar seguindo as diretrizes do Ministério da Saúde e coibindo a prática de furar a fila da vacinação.
Na contramão, aqui no DF, uma enxurrada de circulares internas da Secretaria de Estado de Saúde atropela essas diretrizes dia a dia, e surgem brechas para institucionalizar a figura do fura-fila. Incluem-se pessoas que trabalham em áreas administrativas e não se vacina as que atuam em ambulatórios, consultórios e clínicas e laboratórios privados, que podem estar sendo contaminadas e perpetuando o ciclo de transmissão do vírus. Até servidores em teletrabalho passaram à frente deles.
Todo dia aparece uma modificação que subverte a noção do que seja prioritário. Independentemente da justificativa que se dê, as determinações que orientam o Plano Nacional de Vacinação contra a Covid-19 são desrespeitadas. O que vemos ocorrer aqui é a aplicação do cunhadismo, uso de povos originários brasileiros em período anterior à colonização portuguesa, descrito pelo antropólogo Darcy Ribeiro no livro A Formação do Brasil.
Precursor do “jeitinho brasileiro”, o cunhadismo consistia em casar as mulheres solteiras das tribos com estranhos. Os europeus que aportavam no Brasil de então, como agregados, tinham acesso facilitado às riquezas que levavam daqui para a metrópole. A quem não era agregado não se dava essa colher de chá.
Tudo indica que vamos continuar avançando na vacinação de grupo em grupo. Se o cunhadismo continuar, teremos problemas ainda maiores nas próximas fases da campanha de vacinação contra a covid-19. Precisamos de vacinas em quantidade e de transparência e respeito na ordem de vacinação. O que não precisamos é mais um escândalo na condução da Saúde do Distrito Federal.