As crianças não votam, mas o Fundo das Nações Unidas para as Crianças e Adolescentes (Unicef) quer colocá-las no centro das atenções dos candidatos das eleições de 2018. Para tanto, lançou uma plataforma de desafios e metas para que os candidatos assumam como compromisso e, se eleitos, implementem em seus mandatos.
A grande maioria dos pontos fala direto com programas sociais e, por consequência, se choca com as limitações orçamentárias impostas pela PEC 95, denominada PEC do Fim do Mundo, pela qual o governo Temer congelou até 2022 os investimentos em Saúde, Educação e Segurança.
Pobreza – A plataforma destaca seis áreas em que é preciso intervir. Entre elas, o Unicef aponta que a pobreza ainda é uma realidade para 61% das crianças e adolescentes do Brasil, apesar da ascensão social de parte da sociedade nas últimas décadas.
Para esse cálculo, o Unicef considerou não apenas as crianças e adolescentes que vivem em residências com renda insuficiente, mas também aquelas que não têm acesso à educação de qualidade, informação, saneamento, água segura para consumo, moradia adequada e proteção contra a violência.
Em 2017, segundo o Cenário da Infância e Adolescência no Brasil, cerca de 17 milhões de crianças até 14 anos pertenciam a famílias de baixa renda. Desse total, 5,8 milhões viviam em situação de extrema pobreza, com renda familiar per capita inferior a 25% do salário mínimo.
O Norte e o Nordeste foram as regiões que apresentavam as piores situações, com mais da metade das crianças [60,6% e 54%, respectivamente] viviam com renda domiciliar per capita mensal igual ou inferior a meio salário mínimo.
Miséria leva ao trabalho infantil
Diante de um quadro de miséria como este, muitas crianças se viram forçadas a trabalhar prematuramente. No ano passado, o universo de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos que estavam na labuta diária somou 2,67 milhões. Pouco menos do que toda a população do Distrito Federal. Mais de 60% delas estavam no Nordeste e no Sudeste, mas a maior concentração ocorre na Região Sul.
Para conter essas privações, o Unicef propõe um maior detalhamento do orçamento público, especificando quanto é destinado a crianças e adolescentes. Essa medida permitiria um maior monitoramento das políticas públicas de forma multissetorial. O fundo também propõe que estudos como a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios e o Censo 2020 avaliem a efetivação dos direitos das crianças e adolescentes.
Infanticídios – Outro dramático relato do Unicef é a morte prematura de nossas crianças. O Fundo alerta sobre os altos índices de homicídios de crianças e adolescentes no país. A cada dia, 31 crianças e adolescentes são assassinados no Brasil. São quase mil por mês, o que faz do país o lugar do mundo em que mais pessoas nessa faixa etária são assassinadas. A maior parte dessas mortes ocorre por disparo de armas de fogo, que, na visão do Unicef, precisam de maior controle do Estado.
Contrária à redução da maioridade penal, como postulam alguns dos candidatos, o Fundo pede que os presidenciáveis busquem analisar as causas sociais da violência, que reduzam a vulnerabilidade de jovens em situação de risco e se comprometam a aumentar a investigação desses casos, que, segundo o informe, não passa de 10%.
Valorização dos professores
Para a educação, o Unicef defende reforço na busca ativa de estudantes que estão em situação de evasão escolar e maior valorização dos professores e das escolas, para tornar a educação mais atrativa.
A instituição da ONU salienta que a discriminação contra crianças e jovens pobres, LGBTs, pessoas com deficiência, negros e indígenas afasta essas populações da escola, assim como a gravidez na adolescência e a necessidade de trabalhar.
Mortalidade infantil – Depois de 26 anos em queda, a mortalidade infantil e na infância voltou a crescer, fruto da precarização das políticas públicas de Saúde. Desde 2015, as coberturas vacinais – que vinham se mantendo em patamares de excelência – apresentaram queda, alerta o Unicef.
Ele recomenda o fortalecimento do Sistema Único de Saúde, a ampliação da estratégia de Saúde da Família em municípios vulneráveis e a sensibilização de gestores e profissionais de saúde para a prevenção de causas de óbito, além da melhora na cobertura vacinal.
Nutrição – O perfil nutricional da criança brasileira apresenta problemas nas duas pontas. De um lado, 30% das crianças indígenas sofrem de desnutrição. De outro, cresceu a obesidade entre as crianças e adolescentes que passaram a ter mais acesso a alimentos e 10% das crianças brasileiras de 5 a 9 anos estão acima do peso.
É requerida maior rigidez na regulamentação da indústria de alimentos, com rotulagem mais clara no alerta do excesso de sódio, gordura e açúcar, além de refeições saudáveis na merenda escolar e restrições à propaganda de produtos processados industrialmente voltados às crianças.
Para conter o sedentarismo, é proposta o retorno das atividades físicas nas escolas – onde a disciplina de Educação Física deixou de ser obrigatória em vários níveis – e nos espaços urbanos recreativos e seguros. O Fundo também pede campanhas para incentivar o aleitamento materno exclusivo até os seis meses de idade.
Na contramão da escola sem partido
Por fim, na contramão daqueles que pregam a escola sem partido, o órgão das Nações Unidas requer a adoção de políticas de estimulo à participação dos adolescentes nas eleições.
Segundo o Fundo, houve uma queda de 230 mil eleitores de 16 a 18 anos em relação à campanha eleitoral de 2014, e é necessária a criação de espaços para os adolescentes possam participar da avaliação de políticas públicas, em tomadas de decisões nas escolas e outros serviços públicos, e estimular a formação de grêmios estudantis.