O Brasil Inevitável, de Mércio Gomes, antropólogo que atuou junto com Darcy Ribeiro durante vários anos, será lançado quarta-feira (5), às 19h, no restaurante Carpe Diem, na SCLS 104. O livro é considerado leitura quase obrigatória, pois faz um estudo e analisa o comportamento do brasileiro, ontem e hoje. O livro debate com seus principais intérpretes, entre tantos, Gilberto Freyre, Sergio Buarque, Darcy Ribeiro e Vilém Flusser.
O professor de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ex-presidente da Fundação Nacional do Índio/Funai e autor, dentre outros livros, de O índio da história e Darcy Ribeiro, revê com um olhar histórico-antropológico as principais análises sobre classes e estamentos sociais, desigualdade social e cultural, a cultura em sua prática social, regimes políticos, colonialismo, escravidão, servidão, bem como sobre como brasileiros e estrangeiros vêm pensando e argumentando sobre nosso país.
Na introdução, o autor mapeia as vias que levaram à “matriz ideológica dos três modos básicos de pensar o Brasil: o conservador, o liberal e o nativista”. A estes três modos básicos, o autor acrescentou um quarto modo. Uma espécie de puxadinho que, nas suas palavras, é “pensamento utópico, o desvairado pensamento de que o Brasil é o país do futuro, o formador do novo homem, a nova Roma lavada em sangue”.
A obra do antropólogo nasce da pergunta se há ética no Brasil (cada um acha que tem, mas que ninguém mais a tem) e se consolidou com uma revisão extensa sobre a história do Brasil, a formação de seu povo e a constituição de sua cultura. Um resultado simples e reconfortante é que há, sim, ética no Brasil, principalmente há moral, com todos os defeitos possíveis que são apontados longamente no livro. Mas, moral e ética (dois modos de pensar comportamento adequado, de acordo com a procedência dos ditames e sanções) só prevalecem se existir algum nível de conscientização sobre o comportamento social.
O Brasil se constitui numa sociedade dividida desde sua formação inicial, em dois estamentos sociais, um dominante e o outro subordinado. Em outras palavras, é a velha divisão entre ricos e pobres, elite e povão. Esta diferença estamental produz formas de comportamento distintas, quase que duas subculturas dentro da cultura geral brasileira – sempre uma usando de modos e subterfúgios sociais, culturais e econômicos para manter a outra por baixo.
Outro ponto importante neste instigante livro é que o Brasil pode ser melhor entendido pelo registro de sua formação cultural do que pelo registro político e econômico. O processo de mestiçagem produziu uma sociedade maleável e descomprometida com o passado que sincretizou uma religião católica com uma sutil aceitação de crenças, rituais e liturgias africanas e indígenas, ajudando com isso a formar uma cultura básica compartilhada por todos. Esta cultura é que faz a ponte entre os dois estamentos e assim não deixa a sociedade se bipartir por completo.
O Brasil Inevitável enfatiza o papel do interrelacionamento entre portugueses, indígenas e negros nos primeiros dois séculos na formação dessa cultura básica, sua miscigenação na formação do “povão” e sua contínua forma de existência através de vários sentimentos, inclusive o ralo amor que temos pela natureza, parte de nossas formas de violência e nossos modos de resistência a comportamentos exógenos.
Como o leitor vai constatar, o livro de Mércio Gomes, que foi amigo e trabalhou vários anos com Darcy Ribeiro, é muito mais que um estudo antropológico para suprir a demanda dos estudiosos do Brasil e das bibliotecas acadêmicas. Ele provoca o leitor a ir adiante. Ir além dos parâmetros acadêmicos que balizam respostas ‘razoáveis’ para tantas perguntas acumuladas ao longo da história brasileira. Foi escrito com muito sentimento, e com este “algo” inerente, que não tem uma descrição definida, causa ou função, apenas o é, coisa nossa. Como diria Darcy “das gentes daqui”. Não se trata de uma leitura apenas, mas de uma experiência!
(*) Especial para o Brasília Capital