O advogado Eládio Carneiro, 45 anos, não esconde o alinhamento ideológico com Jair Bolsonaro. Pré-candidato a prefeito de Luziânia pelo PSL, partido que elegeu o Presidente da República em 2018, o produtor rural se coloca como uma alternativa à atual chefe do Executivo municipal, Professora Edna Santos (Podemos), e ao deputado estadual Diego Sorgatto (DEM), apoiado pelo governador do estado, Ronaldo Caiado.
Ele tenta honrar a tradição da família. Seu tio avô, Benedito Roriz de Paiva, o Dito Paiva, foi prefeito e líder da UDN, da Arena e do PDS, legendas conservadoras que, inclusive (caso da Arena), deram sustentação aos governos militares. José Carneiro, avô de Eládio, também foi prefeito e ficou famoso por ter comprado a primeira patrola de Luziânia, em 1951.
Eládio foi diretor de projetos na Secretaria de Articulação do Entorno do DF, secretário de Saúde de Luziânia e lecionou Direito Processual Civil na Unieuro e no UniCeub. Candidato a deputado federal em 2002, ficou como suplente. Em 2014 tornou-se segundo suplente do então senador Ronaldo Caiado (DEM), hoje governador de Goiás.
O senhor é candidato a prefeito pelo mesmo partido que elegeu o Presidente da República em 2018. As eleições municipais deste ano são uma prévia para 2022? – Existe uma crise internacional de representação. Diversos autores e escritores internacionais respeitados já identificavam, na década passada, uma ausência de sintonia entre os governantes e a população. Isso se deu nos Estados Unidos, na Europa e aqui no Brasil. A partir de 2013 nós passamos a ter movimentos sociais, de rua, que demonstravam essa falta de interação entre o eleitor e os políticos. A população agora busca reencontrar essa sintonia, com diálogos mais próximos e com uma efetiva participação da sociedade no contexto político. Nas eleições de 2018 havia um ativismo político maior, onde surgiu o presidente Bolsonaro, que tirou da zona de conforto e do marasmo a classe média e as pessoas que ficavam só aguardando o momento da urna para poder votar. Elas entenderam a necessidade de ter um ativismo político. Afinal, a democracia exige esse tipo de participação.
O Presidente tem correspondido a essa expectativa de mudança que levou à sua vitória? Ele está, efetivamente, combatendo a corrupção, como pregou na campanha, defendendo a Lava Jato? – Nós vínhamos presenciando um aparelhamento do Estado para manter um projeto de poder. Sempre existiram pessoas corruptas ou que passavam os pés pelas mãos. Isso é da natureza humana. A pessoa quando não tem princípios e valores, acaba seduzida pelas cantadas do poder. Agora, um aparelhamento como aquele, nós nunca tínhamos presenciado.
Isso acabou com a vitória de Bolsonaro? – Não. Existe um sistema, uma engrenagem, que anda por si só. Veja o Rio de Janeiro. Ali, as estruturas estão muito comprometidas, independentemente das pessoas que estiverem ocupando os postos de comando. Essa estrutura roda, e nós não podemos entender que a pessoa que assumiu um posto será apenas um dente dessa engrenagem. Ela precisa dar um direcionamento próprio no sentido de protagonizar uma linha de governo. Eu entendo que o Presidente propôs à sociedade um rompimento com o que existia. E esse clamor acabou contagiando a sociedade, fazendo com que ele se elegesse.
Um ano após ele assumir, surgiu a pandemia do novo coronavírus. Bolsonaro assumiu o discurso do negacionismo, tratando a covid-19 como uma “gripezinha”. O senhor concorda com ele? – Eu entendo que a visão do Presidente é militar. Quando o general Eisenhower foi comandar a operação Overlord, de invadir a Normandia, ele tinha à sua disposição uma tropa de 500 mil homens. Ele sabia que morreria 150 mil. Então ele contabilizou isso como baixa de guerra. Bolsonaro recebeu informações, imagino eu, que as estatísticas demonstrariam que nós teríamos uma incidência dessa doença, que fatalmente teríamos perdas, e ele não teria um instrumento maior para alterar essa situação.
Então a população brasileira virou o exército do Bolsonaro? – Não. Na verdade, as pessoas são acometidas por diversas enfermidades e morrem, por exemplo de acidentes de trânsito. Eu penso que a visão dele foi realmente estatística: “olha, nós vamos passar por isso, as pessoas mais vulneráveis infelizmente terão uma fragilidade maior e algumas vão sucumbir”. Talvez ele tenha sido um pouco inábil na maneira de vocalizar isso.
E assim, hoje o Brasil passa dos 4 milhões de contaminados e dos 130 mil mortos. Sem contar as subnotificações. O senhor não acha que o povo brasileiro ficou muito exposto devido ao negacionismo dele? – Eu entendo que as autoridade tiveram um equívoco enorme no princípio. Goiás foi o estado que recebeu pessoas vindas de Wuhan, na zona de contaminação da China. Elas passaram por uma quarentena na Base Aérea de Anápolis e só depois de de avaliadas foram liberadas para se reintegrarem à sociedade. Se as autoridades tivessem fechado as fronteiras naquele momento e determinassem que cada pessoa que ingressasse no Brasil passasse por uma quarentena, não teríamos tido a multiplicação do vírus na dimensão que ela tomou. Mas essa orientação deveria ter sido tomada pelo ministro (da Saúde, Luiz Henrique Mandetta) naquele momento. Não houve essa orientação. A orientação para que a pessoa ficasse em casa, aguardando até começar a sentir falta de ar, também foi um equívoco. Hoje sabemos que o diagnóstico e o tratamento precoces fazem a diferença na recuperação dos infectados.
A priorização da economia, em detrimento à saúde das pessoas, hoje, se reflete no aumento dos preços, principalmente, dos alimentos. O senhor é produtor rural. Como analisa essa questão? Estão querendo lucrar com a pandemia? – Temos que observar um cenário mais global. Quase todos os países tiveram uma queda em torno de 10% no PIB. Enquanto isso, a China cresceu 10%, porque, lá, o problema do vírus ficou muito circunscrito a 4 mil mortes e a 40 mil infectados. E a China tem 2 bilhões de habitantes. Quando essa população está consumindo mais, há um aumento de demanda, mesmo com uma retração no restante do mundo. Durante a pandemia, quem precisou comprar EPI (Equipamentos de Proteção Individual), respirador, vacina, kit de teste, teve de buscar na China. Então, o chinês está consumindo mais. Com o dólar alto, é lógico que isso tem um impacto na economia de todos os países.
Mas os outros países seguraram a produção interna para proteger suas populações. Já o Brasil está vendendo arroz até para a Venezuela, que diziam estar quebrada… – O governo tem dispositivos para reequilibrar essas distorções que aconteceram de maneira pontual, em função da própria pandemia, no sentido de garantir o abastecimento e uma harmonia entre o consumidor brasileiro e o produtor, de maneira que nós não tenhamos problemas de desabastecimento, de falta de produtos. Eu penso que o Presidente saberá usar isso com sabedoria. Existe também a questão da sazonalidade. Estamos em um período de entressafra, quando os produtos têm uma elevação natural, pela lei da oferta e da procura. Estamos vivendo um tempo diferente.
Vamos falar de Luziânia. O senhor é da família Roriz, uma das mais tradicionais da cidade. Como candidato a prefeito, quais suas propostas para melhorar a vida da população? – Luziânia é uma cidade histórica. Uma senhora de 273 anos. Em 1746, o bandeirante Antônio Bueno de Azevedo e sua comitiva vieram fazer sondagens para mineração e encontraram ouro às margens do Rio Vermelho. Vieram 10 mil pessoas. Tínhamos uma serra pelada no Centro-Oeste. Mas era ouro superficial e quase todos foram embora. As poucas que ficaram mantiveram aqui um núcleo cultural e investiram na agricultura e na pecuária. Com o início da construção de Brasília, em 1955, passamos a receber a migração de pessoas de todo o Brasil. Muitas pessoas acabaram expurgados para o chamado Entorno do Distrito Federal.
E Luziânia acabou se tornando uma espécie de capital do Entorno Sul. O que o senhor, como prefeito, pretende fazer para melhorar a vida dessa bicentenária senhora? – Essas cidades que se emanciparam de Luziânia trataram do seu desenvolvimento. Infelizmente, Luziânia não conseguiu acompanhar esse desenvolvimento e aproveitar a proximidade com Brasília, mas sofreu as consequências dessa proximidade, como o inchaço e o crescimento desordenado, sem aproveitar as benesses. A vocação do Entorno e de Luziânia seria justamente produzir bens e serviços que Brasília consome. Por exemplo: Luziânia é a terceira produtora de leite do estado de Goiás, e esse leite vai para outras cidades, onde é industrializado, e depois retorna para Brasília. Não temos aqui uma cooperativa, igual tem em Unaí e em outros lugares, para processar esse leite. Luziânia produz algodão de altíssima qualidade, que vai pra China e volta em forma de camisa. Teríamos que correr atrás de uma tecelagem, para fazer o beneficiamento desses produtos aqui, no nosso município, e agregar valor, fazer com que as pessoas ganhem dinheiro. Como aconteceu com a 44 de Goiânia, onde existe um comércio pujante de roupa. O cara sai de São Sebastião, do Recanto das Emas e vai lá comprar.
Como Anápolis, que se tornou um grande polo industrial… – Sim. No caso de Anápolis, eles conseguiram atrair indústrias, ter um polo industrial forte. Isso desenvolveu a cidade. Em Luziânia, foi estabelecido um polo industrial num lugar absolutamente inapropriado, num vale perto da UEG. Não tinha nem energia. Até hoje, em 2020, lá não tem sinal de celular. Então, ao invés de fomentar o desenvolvimento, serviu para ser um repelente à industrialização da nossa cidade.
Se o senhor for eleito, vai revigorar esse polo? Vai incentivar a indústria têxtil e a indústria de laticínios? – Se houver uma palavra para resumirmos o que pretendemos para a nossa cidade é desenvolvimento. Luziânia tem muitas potencialidades. Temos a parte histórica, casarões, prédios.
Mas eu estive lá há poucos dias e vi que a cidade está, aparentemente, mal cuidada. Até a igreja central está com aspecto de abandono… – É verdade. Poderíamos ter pessoas vindo de Brasília para almoçar em Luziânia nos finais de semana. Na rua do Rosário, temos um espaço gastronômico onde poderíamos oferecer pratos da culinária goiana. Poderíamos fazer um intercâmbio, tipo feira das nações, para troca de culturas. Para as pessoas aqui cidade conhecerem a cultura de outros países. Falta fazer essa ligação. A prefeitura precisa se transformar numa alavanca de desenvolvimento, ligar pontes. Criar, acima de tudo, um ambiente político estável. Chega um empresário e um cara encosta atrás dele querendo tomar o dinheiro dele. O empresário vai embora.
Falta segurança jurídica. – Exatamente, o sujeito que quer investir precisa de transparência, segurança, velocidade, desburocratização. Não pode ficar à mercê de pessoas corruptas que querem achar o empresário, criando dificuldade para vender facilidade. Isso é terrível. Destrói a cidade.
Para as pessoas irem a Luziânia, hoje, o acesso está complicado. Muito trânsito, principalmente até Valparaíso. A questão da violência assusta. O Entorno virou eixo de passagem do tráfico de drogas. Como pretende tratar essas questões? – Depois da eleição do Presidente Bolsonaro, os índices de criminalidade diminuíram no Brasil. No estado de Goiás também melhorou, assim como no Entorno. Desde 2019, diminuíram os roubos, assaltos e assassinatos. Agora, é uma política que precisa ser contínua. Aqui em Luziânia um secretário municipal foi assassinado e até hoje não se descobriu os autores do crime. Existem outros casos na mesma situação. Quanto à rota de narcotráfico, existem denúncias de envolvimento de políticos…
O senhor foi suplente do hoje senador Ronaldo Caiado. O partido dele apoia sua candidatura? – O governador apoia o candidato do Democratas. E é natural que isso aconteça. Eu estava no DEM e houve uma orientação da direção no sentido de fortalecer a base e trazer deputados para o partido que já tinham compromisso de concorrer a prefeito daqui. Como eu entendia que o projeto que eu tinha para a cidade era diferente desse – meu projeto é baseado em outras premissas –, até porque essas pessoas que protagonizam a cena política nos últimos anos e não desenvolveram a cidade (e não seria agora que mudariam a sua perspectiva), seria mais do mesmo.
Quem são essas pessoas? – Na verdade, é uma família, um grupo que se alterna no poder, e a cidade vai ficando para trás. Então, como eu tinha essa perspectiva de apresentar um plano de governo baseado em outros valores, saí do DEM e fui para o PSL, justamente para poder empunhar essa bandeira da renovação, da mudança de hábitos e tratativa entre o poder público e a população, entre o poder público e os empresários, porque eu acho que do jeito que a banda tocou nos últimos anos foi muito mal.
O último prefeito eleito foi afastado sob a acusação de assédio. A vice que assumiu tenta se descolar dele. A professora Edna Santos (Podemos) realmente não tem nada a ver com o Cristovam Tormin (PSD). Ela tem credenciais para pleitear a reeleição? – A maneira como nós enxergamos a política não é como ela tem sido jogada aqui. Nós temos pensamentos diferentes de todos os outros pré-candidatos. Para nós, a prefeitura deve ser cada vez mais desimportante, no contexto da cidade, na medida em que as pessoas precisam encontrar trabalho, ocupação na iniciativa privada, e não essa forma que eles entendem – que a prefeitura é a grande empregadora, o cabide, colocando estrategicamente pessoas aqui e ali para perpetuar a manutenção política de um determinado grupo. Eu acho que isso não é saudável e não faz a cidade se desenvolver. Então eu penso exatamente o contrário do que pensam meus oponentes.
E quem o senhor acha que pensa da sua forma? – A sociedade pensa junto comigo. Estamos formando alianças com outros partidos, mas o que nós queremos é justamente vocalizar esse grito, essa manifestação de indignação que as pessoas têm nas ruas. Eu tenho andado em diversos bairros, setores, zonas rurais, participado de reuniões. O descontentamento, a indignação é geral. Não há um afagar com esses políticos, com essas pessoas. Pelo contrário. As pessoas se sentem desrespeitadas. Esta é uma das razões que me fizeram deixar o conforto da minha vida privada, abrir o peito para entrar nesse enfrentamento contra grupos poderosos economicamente e politicamente. Eu não quero isso pra minha cidade. Luziânia é uma cidade que ficou velha, que não se desenvolveu. Em grande parte, porque essas pessoas que comandaram a política travaram, seguraram o crescimento. Por que nós temos dois deputados estaduais aqui e um deputado federal e não temos uma universidade federal? Tem em Jataí, tem em Catalão. Tem faculdade de medicina nessas cidades que eu falei. Por que Luziânia não tem? Aqui, não temos um centro universitário, como existem em Ribeirão Preto e Campinas. Ficam correndo atrás de miudezas, dentro de uma família. Só primo com primo, tio, pessoas que participaram do governo. Uma hora era secretário, outra hora era vereador, deputado. Tudo do mesmo balaio. A verdade é essa.
Então, o senhor seria a novidade fora do balaio? – Eu acho que essas pessoas tiveram sua oportunidade. Se a cidade está maravilhosa, elas têm que continuar. Se não fizeram, é porque não deram conta ou não quiseram. Então, tem que mudar.
E o senhor acha que poderá conduzir essa mudança? – O Brasil segue um caminho de reencontrar os seus valores. O que nós queremos para a sociedade brasileira? O que queremos para a sociedade de Luziânia? Os valores, os princípios e as metas que nós vamos percorrer. Nós queremos um governo corrupto, ou queremos um governo mais limpo, mais franco, verdadeiro. Eu penso que o Brasil está em um momento de mudança e a população será o que quiser ser. O que eu posso fazer é apresentar o nosso nome, os nossos projetos e a nossa biografia para credenciar o que falamos e fazemos. Mas quem decide é a população, nas urnas. E a democracia é maravilhosa por isso.