Jair Bolsonaro tem certeza de que é um Messias. E aqueles que o tratam como “mito” dizem amém. Mas a maioria dos brasileiros que hoje tenta se safar do novo Coronavírus já o vê como porta-voz do Demo – e não é o partido do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (RJ).
Na terça-feira (23), o Presidente ocupou rede nacional de rádio e televisão para falar à Nação sobre a pandemia da Covid-19. E em vez de unir, dividiu ainda mais os brasileiros, numa cisão que ele faz questão de aprofundar desde o fim do pleito de 2019. Bolsonaro e seu gabinete do ódio ainda não desceram do palanque.
Em seu discurso, o Presidente minimizou a pandemia no Brasil e assombrou o mundo – exceto, evidentemente, aqueles que endeusam mais o dinheiro do que a vida, os devotos do santo mercado. Jornais de Portugal, Inglaterra, França e Espanha classificaram Bolsonaro de ‘incendiário’, ‘inacreditável’ ‘contraditório’. O inglês The Guardian ainda destacou os panelaços e alertou para a gravidade da pandemia.
Na França, o “Le Monde” o condenou por chamar a Covid-19 de “gripezinha”, convocar a população para o trabalho e as escolas a retornarem as aulas no momento em que um terço da população mundial é colocada em confinamento. E destacou o ataque de Bolsonaro à mídia, por “propagar a histeria” diante da pandemia que já causou mais de 20 mil mortos mundo afora.
A crítica ao comportamento do presidente passou a ser a pauta de toda a imprensa brasileira, mostrando a reação de políticos da extrema esquerda à ultradireita. Ele conseguiu, incrivelmente, a façanha de unir os opostos em defesa do povo, cuja saúde ele pôs em risco com seu posicionamento irresponsável.
Para a mídia internacional, as crenças do “líder da extrema direita do Brasil são incendiárias, difíceis de acreditar e contradizem as recomendações do Ministério da Saúde do próprio País”. Seu discurso é comparado ao de Donald Trump e de Daniel Ortega, na Nicarágua. Na América Latina, Bolsonaro conseguiu levantar manifestações contrárias até de seus aliados de ultradireita.
Repleto de contrainformação, desinformação, desserviço e subserviente a uma parte do empresariado brasileiro que, isolada em casa dá ordens à distância para seus empregados não pararem a economia, Bolsonaro conseguiu colocar contra si todos os governadores e toda a mídia nacional. Unificou o discurso da oposição.
“O Brasil está protegido da doença devido ao clima quente e a população majoritariamente jovem”, vociferou o Presidente em determinado trecho de seu pronunciamento. Mas o “Le Parisien” lembrou que, no momento do discurso, o País já contabilizava 2.201 casos de Covid-19 e 46 mortes.
O jornal destacou, ainda, que as deficiências do sistema de saúde somadas à pobreza e à insalubridade, condições que afetam grande parte da população, ameaçam agravar a epidemia na primeira economia da América Latina.
Ao semear a semente do descaso com os brasileiros, Bolsonaro colheu o rompimento com os 27 governadores de estados. Ele perdeu o apoio de aliados como João Dória (SP) e Ronaldo Caiado (GO). Caiado, que é médico e entende os perigos da Covid-19, já se mostrara contrário a ele desde o dia 15 de março, quando o Presidente convocou uma manifestação contra os Poderes da República.
No Congresso Nacional e no Judiciário, muitos se distanciaram de Bolsonaro. O presidente do banco Itaú, Cândido Bracher, foi à imprensa declarar que sente “falta de um administrador de crise”. Isolado, o chefe do Executivo é deixado para trás pelas entidades médicas, por parte da cúpula militar e até pelo vice-presidente Hamilton Mourão.
Na contramão de seu discurso estapafúrdio, a população segue as orientações dos governadores, da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde, e se isola. A sabedoria popular e o instinto de sobrevivência superam em muito o desejo do Presidente da República em cumprir as promessas que fez ao Santo Mercado para chegar ao Planalto.
Assim, ao cumprir a quarentena recomendada pelos profissionais da saúde, os brasileiros se defendem do novo Coronavírus e dos devaneios de Bolsonaro.