Quem tem medo do abandonado e defenestrado Eduardo Cunha? A julgar pelo placar acachapante de 450 votos a favor de sua cassação – quando eram necessários 257 –, o agora ex-presidente da Câmara e ex-deputado federal pelo PMDB-RJ não seria ameaça à maioria dos seus julgadores na Casa. Mas ele reiterou que quase 160 deputados têm processos tramitando no Supremo Tribunal Federal (STF), assim como ele, e podem ter o mesmo destino. “Amanhã pode ser qualquer um de vocês!”
Após a derrota, Eduardo Cunha reclamou do governo do presidente Michel Temer (PMDB-SP), a quem favoreceu com o impeachment da petista Dilma Rousseff, mas o abandonou na reta final de seu julgamento, ocorrido na última segunda-feira (12). O líder do Governo, André Moura (PSC-SE), até então aliado, sequer participou dos debates na sessão do Senado.
Segundo a coluna “Painel”, da Folha de S.Paulo, Eduardo Cunha reclamou com seus amigos antes da votação: “O Michel não fez nada por mim”. Em entrevista, antes da sessão, Cunha já tinha atacado Temer: “Há a sensação de que ele fica refém, porque ele entrega a política e o governo para aqueles que foram oposição, que perderam a eleição para ele”. Por isso, disse o ex-deputado, Temer caiu numa armadilha e está executando um programa que não foi aprovado nas urnas.
Ele também chamou antigos aliados que votaram contra ele de hipócritas, e afirmou que Rodrigo Maia (DEM-RJ), seu sucessor na Presidência da Câmara, conduziu o processo de cassação de maneira equivocada. Por isso recorrerá ao Judiciário para tentar recuperar o mandato.
Eduardo Cunha também trocou farpas com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Ao ser questionado por jornalistas sobre a cassação do correligionário, Calheiros respondeu: \”Afasta esse cálice de mim… quem planta vento colhe tempestade\”.
O ex-deputado rebateu, ironicamente, por meio de nota: \”…espero que os ventos que nele chegam através de mais de uma dezena de delatores e inquéritos no STF, incluindo Sérgio Machado (ex-presidente da Transpetro e ex-senador), não se transformem em tempestade. E que ele consiga manter o cálice afastado dele\”.
Na nota, Eduardo Cunha também criticou a \”diferença de tratamento\” nas ações que correm no STF devido à Operação Lava Jato, ao afirmar que “na palavra de delatores sobre sondas da Petrobras, os mesmos delatores, nas suas delações, acusam como beneficiários das supostas vantagens indevidas montando a US$ 6 milhões os senadores Renan Calheiros, Jader Barbalho, Delcídio do Amaral e Silas Rondeau. Entretanto, a ação penal que deveria ser indivisível, segundo o Código Penal, foi aberta apenas contra mim”.
Nas mãos de Moro
Inelegível até 2027, o ex-deputado perdeu o foro privilegiado. Com isso, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki determinou na quinta-feira que a ação penal em que Cunha é acusado de ter contas não declaradas no exterior seja remetida ao juiz federal Sérgio Moro, responsável pelas investigações da Operação Lava Jato na primeira instância da Justiça.
Em outra decisão, Zavascki negou pedido de prisão do ex-deputado, feito em junho pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Na decisão, o ministro entendeu que a medida não tem mais cabimento após a cassação do deputado.
A outra ação penal na qual Cunha é acusado de receber propina de R$ 5 milhões num contrato de navios-sonda da Petrobras será remetida para segunda instância da Justiça Federal no Rio de Janeiro.
Cunha já disse não ter medo de ser preso e nem de Sérgio Moro. “Tenho que temer a Deus. Só temo a Deus. Vou me defender, como estou me defendendo. Não tenho preocupação com isso. Me sinto inocente e vou me defender”.
Delação premiada
O que pode transformar a tempestade em tsunami é se Eduardo Cunha, considerado frio e calculista, decidir-se pela delação premiada ao MPF. Seu discurso, até agora, é: “Só faz delação quem é criminoso. Eu não sou criminoso, não tenho que fazer delação”. Mas, para quem já mentiu numa CPI e ao afirmar que não renunciaria ao comando da Câmara, nada será surpresa daqui para a frente. Até mesmo porque afirmou que uma das advogadas que trabalham para ele fez a delação do ex-senador Sérgio Machado (PMDB), que provocou a queda do então ministro Romero Jucá (PMDB-RR).
Os ventos podem mudar de direção se Sério Moro voltar ainda mais suas baterias contra a mulher do ex-deputado, a jornalista Claudia Cruz, e de sua filha, a publicitária Danielle Dytz da Cunha Doctorovich. Segundo a força-tarefa da operação divulgou, em 9 de junho último, Danielle é suspeita de ser beneficiária da conta Köpek, na Suíça, cuja titularidade é atribuída a Cláudia, sua madrasta.
Em denúncia enviada ao STF, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, detalhou os gastos de Cunha, Cláudia Cruz, e de Danielle. Com base em documentos, o MPF mostra que a filha mais velha do agora deputado cassado usou um cartão de crédito vinculado à conta, que recebia recursos de propina. O total nas despesas do cartão da Köpek, o Corner Card, feitas pelas duas totaliza US$ 156.275,49, segundo o MPF.
Bastidores do impeachment
Eduardo Cunha disse que pretende escrever um livro sobre o impeachment de Dilma Rousseff, do qual foi o principal articulador. Em 3 de dezembro de 2015, horas após o PT retirar o apoio a ele no Conselho de Ética, o então presidente da Câmara aceitou um dos pedidos de impeachment. O gesto foi apontado por petistas como retaliação e golpe.
Em 17 de abril, um domingo, Cunha presidiu a sessão do plenário da Câmara, que decidiu, por 367 contra 137, pela autorização para ter andamento no Senado o processo de impeachment. Em maio, ele foi afastado do mandato e do comando da Casa pelo STF.
Sobre o livro, o ex-deputado afirma: “Não sou pessoa de fazer qualquer tipo de ameaça, velada ou não. Não faço ameaça. O livro não é ameaça… A sociedade merece conhecer todos os detalhes. Até porque uns ficam falando que é golpe e hoje vão querer perpetuar esse discurso de golpe com a minha cassação. Não tenho nada a revelar sobre ninguém. O dia que o tiver, eu o farei”.
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