Uma aberração, sem dúvida! O andar de bicho acuado, as vestes estranhas, espantada. Que criatura era aquela? A que espécie pertencia? Era do reino dos sem-chão. Aquele ser desajeitado era eu, depois de estraçalhada em milhões de cacos; depois de uma meia dúzia de explosões e algumas batalhas travadas.
Sem dúvida era eu. Modificada, retalhada, moída, com um sorriso amarelo de enfeite para esconder a dor. Mas era eu. Euzinha da Silva! E agora? Como juntar os pedaços, como remontar minha estrutura?
Ei! E quem foi que disse que eu preciso me colar, me remontar, me recauchutar? Estamos em tempos de pessoas perfeitas, com vidas programadas e muitas mentiras pra contar.
Contamos um monte de mentiras o tempo todo sobre quase tudo. Nos perdemos no meio de tanta hipocrisia – “Oi, tudo bem? Tudo ótimo e você?”. Depois, um sorriso, um batom.
Saltos ajudam na autoestima que sozinha não se sustenta. E eu não esqueço Caetano: “alguma coisa está fora da ordem, fora da nova ordem mundial!”.
Não estou mais interessada neste tipo de teatro. Não me interessa a capa, a roupa, a fita. O que quero mesmo é desnudar-me, retirar tudo que me foi imposto. Soltar os pesos, especialmente os que eu mesma escolhi carregar. É tempo de novas vestes. E, como dizem por aí, é preciso abrir espaço para o novo.
Mas atenção! Quando falo novo é absolutamente tudo novo. Não! Nada de cortes de cabelo ou comprar um sapato novo. Falo de novas experiências. Não, não é preciso passagens para lugares fabulosos e místicos, nada de correr atrás do próprio rabo.
Estou falando de novas experiências com você! Uma você que certamente, por etiqueta, por regras, moral, vergonha e outras traves você ainda não se permitiu conhecer.
O convite não é nada simples. Olhe no espelho e tente ver quem está refletido. É você mesmo ou projeções que aos poucos foram depositando sobre você? E então, vai ser agora ou daqui a pouco porque… Sempre haverá “porquês”. Mas vale a pena investir um tantinho que seja.
Já há algum tempo tenho me sentido grávida de mim mesma e não se trata de um pleonasmo! Tenho sentido que algo em mim insiste em se libertar, em vir à tona e me mostrar o que realmente existe de verdadeiro e real.
Comecei de forma drástica. Pedi demissão. Abra sua mente, pedi demissão de tudo: do emprego, da obrigação de ser a melhor, a perfeita, das formas perfeitas, de buscar o lugar mais alto do pódio. E acredite, ainda que pareça uma loucura aos olhos dos outros, o processo começou muito antes dos fatos.
Começou quando eu ainda não sabia quem era a pessoa que eu via no espelho retrovisor. E deu-se a alquimia, a magia. Como dizia minha avó, “o doce desandou”.
Um olhar rápido no espelho e comecei a me questionar. Qualquer coisa, a roupa, a leitura, a comida, a música ouvia no dia.
Tudo passou a ser questionado como se eu tivesse regredido aos três anos de idade. Com um pequeno detalhe: seria necessário acrescentar mais alguns bons anos à tal menina.
Some a coragem e a assertividade de uma criança aos questionamentos de uma balzaquiana. Atrás de um “porque” pode vir qualquer coisa.