A situação pavorosa vivida pela população do Espírito Santo com a greve de policiais militares fez aparecer em redes sociais, sites e portais um ensinamento do pensador italiano Nicolau Maquiavel (1469 a 1527), do século XV. “O sono do príncipe depende do soldo do soldado”, do livro mais famoso do escritor, O Príncipe, onde ele dá conselhos sobre como um monarca deve comportar-se para manter o poder e a admiração dos súditos. A ideia aqui é a de que sem paz nos quartéis um mandatário não tem sossego.
O trabalho de um policial foi considerado de forma especial na Constituição do País. Por isso, foram proibidas greves ou outros tipos de manifestação aos militares. Aí, entra o jeitinho brasileiro. Esposas de PMs do Espírito Santo ficam nas portas dos quartéis, supostamente impedindo-os de saírem para as ruas. No último dia 4, as mulheres assumiram o movimento que chama a atenção do Brasil inteiro com as notícias sobre cidadãos vítimas da falta de segurança.
Justificativa
“Nosso soldado ganha por volta de R$ 2.640, mas a média nacional é R$ 3.989. Nossa defasagem salarial tem mais de sete anos e nos últimos três anos não tivemos nem a revisão geral anual. As perdas que acumulamos em relação à inflação ultrapassam 43%”, afirma o major Rogério Fernandes Lima, presidente da Associação dos Oficiais Militares Estaduais do Espírito Santo. “Nosso policial militar está passando fome. Não adianta o governo pregar que o Estado está fazendo austeridade fiscal enquanto o policial é sacrificado”, acrescenta.
“Esse movimento tem sido estimulado por lideranças políticas também. A forma de protestar está errada e fere a Constituição. O efetivo da PM é de 10.000 homens. No momento, tem 1.200 homens das Forças Armadas e da Força Nacional patrulhando as ruas. Esse movimento está envergonhando os militares”, afirmou o governador em exercício, César Colnago (PSDB). “Não temos como aumentar o salário de ninguém, não podemos tratar de apenas uma categoria. Estamos sendo francos. Vivemos uma crise de 13 milhões de desempregados, não precisamos passar por mais essa”, reforçou o governador licenciado por motivo de saúde, Paulo Hartung (PMDB).
Congelamento
A PM do Espírito Santo está há quatro anos com o salário congelado. A defasagem é apontada como principal motivo de a PM não sair às ruas. O salário dos militares capixabas aparece em último lugar no ranking de piso salarial da PM em todos os estados, segundo levantamento da Associação Nacional de Entidades Representativas de PMs e Bombeiros Militares (Anermb).
Situação como a vivida no momento no estado já aconteceu no próprio Espírito Santo, em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul. Para a Justiça, trata-se de “greve branca” e só ocorre porque há envolvimento também de militares que comandam as tropas. Até sexta-feira (10) a PM capixaba havia indiciado 703 PMs por crime de revolta. Se condenados, a pena é de 8 a 20 anos de detenção em presídio militar e a expulsão da corporação. Eles tiveram o ponto cortado desde o dia 4 e não vão receberão o soldo. O crime estaria caracterizado pelo aquartelamento e por estarem armados.
Os governantes devem torcer para que Maquiavel não esteja certo quando disse que “todos os profetas armados venceram, e os desarmados foram destruídos”.
Medo chega ao Distrito Federal
O medo da estudante de Psicologia Carolina Rodrigues pode se concretizar. Moradora de Planaltina, ela diz que não concorda com greve de policiais. Sua justificativa: “Com eles trabalhando o DF já tem tanta violência!”. Na sexta-feira (10), logo depois de a estudante ser ouvida pelo Brasília Capital, veio a informação de que a PM brasiliense também poderá fazer greve.
“Sem condições adequadas de trabalho, efetivo baixo, com veículos deteriorados e quase todos inadequados para atividades ostensivas, a PMDF já tem data e horário para paralisar atividades por tempo indeterminado”, comunicou um militar, sem dizer em que dia seria deflagrada a paralisação.
Respeito – Carolina acredita que “a elite” não sofra tanto com greve na polícia. “Temo que ocorra em Brasília. Onde moro, tenho muito medo”, diz. O advogado João Ancelmo Júnior acha que aos PMs deveria ser dado o direito à greve como qualquer trabalhador. E só discorda que as classes mais abastadas sejam as que perdem o sono. “O povo é mais prejudicado”, sentencia.
O servidor público Luiz Carlos Farias, estudante de Direito, também acha que a greve deveria ser direito dos policiais. Igualmente, ele vê o povo como mais prejudicado na questão. Acentuando que “policial também é povo”, Luiz Carlos assegura que “a elite brasileira não está nem aí. Está preocupada somente com o poder”.
Balanço – O Governo do Espírito Santo considera que o prazo para os policiais militares aceitarem proposta do Executivo terminou às 6h de sexta-feira (10). Então, as negociações “perdem sentido”. Grevistas querem aumento salarial (reposição da inflação e 10% de ganho real) e melhores condições de trabalho. O governo disse ser impossível dar reajuste, mas propôs avaliar promoções, carga horária dos PMs e outras reivindicações.
A onda de violência no Espírito Santo, de sábado (4) até sexta-feira (10) provocou 121 mortes violentas em todo o estado e R$ 180 milhões de prejuízos ao comércio, de acordo com dados do Sindicato da Polícia Civil e da Federação do Comércio (Fecomércio). Há 1,2 mil homens do Exército e da Força Nacional fazendo policiamento no Estado.
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