O Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) deu um prazo de 30 dias para que o ex-secretário de Saúde do DF, Francisco Araújo Filho, e mais três ex-servidores da SES/DF – Eduardo Hage Carmo, Iohan Andrade Struck e Jorge Antônio Chamon Júnior – expliquem um possível prejuízo estimado em R$ 11,2 milhões na compra, por dispensa de licitação, de 100 mil testes rápidos tipo IgG e IgM para detecção de Covid-19. A decisão ocorreu na sessão virtual desta quarta-feira, dia 15 de setembro.
Além do possível superfaturamento que gerou o prejuízo aos cofres públicos, eles também terão de apresentar explicações sobre uma série de outras supostas irregularidades na contratação da empresa Biomega Medicina Diagnóstica Ltda. Ela foi a responsável pelo fornecimento e aplicação dos testes, bem como pela execução das análises laboratoriais, com fornecimento de mão de obra e estrutura física do tipo drive thru, além de outros serviços relacionados. Os mesmos 30 dias de prazo foram concedidos à empresa, caso queira se manifestar nos autos.
A contratação foi orçada em R$ 19,9 milhões, dos quais a SES/DF pagou R$ 19,3 milhões. Durante a vigência do contrato, a Secretaria chegou a firmar um aditivo contratual de 50% sobre o valor inicial, mas a nota de empenho foi cancelada após a deflagração da Operação Falso Negativo, coordenada pelo Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) e que resultou em uma ação na Justiça. Francisco Araújo chegou a ser preso pelo MPDFT no âmbito da operação.
Superfaturamento
Na análise do TCDF, o corpo técnico apontou que o preço médio de mercado dos testes rápidos, baseado em pesquisas no Banco de Preços da Saúde e em levantamentos realizados à época da contratação, era de R$ 80,77. No entanto, a proposta da empresa Biomega, vencedora da dispensa de licitação, foi de R$ 125 por unidade. Um possível superfaturamento estimado em mais de 50%.
O valor do prejuízo, avaliado em R$ 11,2 milhões, foi calculado com base na diferença entre o valor total do contrato firmado com a Biomega e o valor de mercado dos testes rápidos. Isso porque a dispensa de licitação apresenta, ainda, outras supostas graves irregularidades além do possível superfaturamento.
A primeira delas é a ausência de justificativa para a contratação, uma vez que a SES/DF não demonstrou que não possuía, à época, recursos humanos habilitados, estrutura física e insumos necessários ao atendimento da necessidade a ser satisfeita. Também não comprovou que a solução escolhida – contratação de empresa para execução de serviços laboratoriais de análises clínicas, com estrutura física tipo drive thru – seria mais vantajosa economicamente e/ou tecnicamente frente à realização da testagem da população pela própria Secretaria. Isso, no entendimento do TCDF, representa ato de gestão antieconômico que resultou prejuízo ao Erário.
Licitação
Outra falha ocorreu na abertura da dispensa de licitação: o aviso foi publicado no Diário Oficial do Distrito Federal de 2 de maio de 2020, um sábado, dia seguinte ao feriado nacional do Dia do Trabalhador, e previu um prazo para recebimento das propostas até as 15h do primeiro dia útil posterior, 4 de maio). Esse tempo exíguo teria restringido a competitividade da dispensa de licitação.
A legalidade do contrato com a Biomega também é alvo de questionamentos, uma vez que a empresa não estava registrada junto ao Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal (CRM/DF), o que era um dos requisitos de qualificação técnica exigidos. Também não houve, no processo, a comprovação de que a empresa possui a certificação de licença sanitária para desempenhar atividade médica ambulatorial com recursos para realização de exames complementares, conforme normas estabelecidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Outra irregularidade apontada nessa dispensa de licitação é que a SES/DF realizou pesquisa de preços apenas junto a potenciais fornecedores, deixando de buscar outras fontes indicadas na Lei 13.979/2020 – que foi usada como base para a dispensa de licitação. Além disso, após a deflagração pelo MPDFT da segunda fase da operação Falso Negativo, surgiram indícios de que a própria Biomega teria elaborado o projeto básico simplificado da contratação e encaminhado ao Secretário de Saúde do Distrito Federal, ou seja, a empresa contratada teria participado de forma ativa na modelagem do contrato, indicando, inclusive, a quantidade de postos de drive thru e de testes a serem adquiridos.
Solidários
O ex-secretário de Saúde e os três ex-servidores estiveram envolvidos nessa contratação em diferentes fases da dispensa de licitação, que vão desde a elaboração do projeto básico sem elementos mínimos necessários, passando pela aprovação dele; pelo reconhecimento e autorização da dispensa de licitação sem comprovação de necessidade; pela escolha de proposta em desacordo com valores de mercado; pela assinatura do contrato com empresa que não comprovou o cumprimento dos requisitos técnicos; até a fiscalização deficiente do cumprimento contratual. Dessa forma, respondem solidariamente pelo prejuízo aos cofres públicos. As condutas individuais foram detalhadas pelo corpo técnico na Matriz de Responsabilização. O prazo de 30 dias conta a partir da notificação oficial.