Com seis unidades prisionais, o Distrito Federal tem hoje uma população carcerária de 14.291 presos. Quase o dobro da capacidade do sistema, que é de 7.383. São oito detentos para cada agente penitenciário. Isso sem levar em consideração que os 1.691 servidores trabalham em escala de plantão. A situação é pior do que o panorama nacional. Segundo os dados mais recentes do Ministério da Justiça, em junho de 2013, havia 556.835 encarcerados em presídios no Brasil, sendo que a lotação era de 340.421. A fragilidade e o descaso dentro das cadeias brasilienses estão entre as preocupações de promotores, representantes de direitos humanos e especialistas. Este mês, uma detenta do presídio feminino deu à luz o filho no chão da unidade, com auxílio dos plantonistas. Os dois não tiveram problemas, mas a situação chamou a atenção para a falta de preparo e de equipe médica dentro da unidade no momento do parto.
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Promotor do Núcleo de Controle e Fiscalização do Sistema Prisional, Marcelo Teixeira critica a conservação dos presídios do DF. Para ele, o sistema está “à beira da falência”. Entre os principais problemas listados por ele, estão o deficit de servidores e a superlotação de detentos. “Isso resulta em fiscalização menor, ausência de banhos de sol em alguns períodos, falta de escolta para hospital, para consultas. Todo o atendimento ao preso fica prejudicado”, afirma. Teixeira faz visitas constantes aos presídios. No início de maio, esteve no Centro de Progressão Penitenciária (CPP), localizado no Setor de Indústria e Abastecimento (SIA). A unidade abriga detentos no regime semiaberto. “Pela lei, os presos deveriam trabalhar fora e pernoitar ali. Mas isso acaba não sendo cumprido. Hoje, há uma flexibilização enorme, o que é errado”, critica.
Teixeira alerta para os cuidados com a superlotação das unidades, mas acredita que a solução não é amenizar ou relaxar o cumprimento das penas. “A pena não é só para ressocializar, mas para que a pessoa pague pelo que fez e tenha o sentimento do erro que cometeu, e a vítima ou a família dela tenha certeza da Justiça”, ressalta Marcelo Teixeira. “O Brasil nunca teve uma política prisional adequada. Não quero ter a pretensão de ter a solução do sistema prisional brasileiro. Temos muitos presos porque a quantidade de crimes é enorme. Então, temos que construir mais unidades prisionais. E estamos em constante interlocução com o governo para melhorarmos essa situação”, afirma Marcelo Teixeira.
Michel Platini, ex-presidente do Conselho de Direitos Humanos, fez dezenas de visitas aos presídios do DF nos últimos anos. A realidade do sistema, segundo ele, é crítica e se agrava a cada dia. “O maior problema tem relação com a superlotação. Brasília está fora dos padrões. São poucos agentes para todos os presos. Eles (detentos) dizem que querem trabalhar, estudar, mas a oferta é pouca. Fazem motim, greve de fome. Isso tudo pode gerar uma rebelião. O Estado tem o controle, mas é fragilizado porque a quantidade de agentes não é suficiente para cuidar de todos os presos”, critica Platini.
Hoje integrante do Centro de Empoderamento de Defesa dos Direitos Humanos, Platini garante que a situação dentro das unidades penitenciárias do DF é de insalubridade. “É chocante entrar num espaço cheio de mofo, com doenças que aqui fora têm dificuldade de se espalhar e sambam lá dentro, como a tuberculose. Esse sistema desumaniza as pessoas. Parece que foi feito para não dar certo, porque não tem conteúdo para melhorar.” A soltura dos presos também é criticada por ele. “O presídio só libera o preso à meia-noite. Quem tem advogado é recebido por ele, pela família. Quem não tem vai sair andando até a rodoviária ou para qualquer outro lugar. Quem sabe, até volte a praticar crimes, pois o Estado abre as portas sem ter ressocializado”, complementa Platini.
Investimentos
A Subsecretaria do Sistema Penitenciário (Sesipe), vinculada à Secretaria de Justiça do DF, é quem gerencia as unidades. Segundo a pasta, a ressocialização dos detentos é feita por meio de oficinas de trabalho. O Correio tentou falar com o subsecretário, João Carlos Lóssio, mas, apesar de ter recebido a demanda na última segunda-feira, até o fechamento desta edição, a Assessoria de Comunicação da Sesipe não havia respondido sobre a entrevista.
O Ministério da Justiça (MJ) é a unidade federal responsável por auxiliar o sistema penitenciário do DF. O órgão afirma que tem feito investimentos no setor. Entre os apoios, estão financiamentos para construções de novas unidades, aquisição de aparelhos e organização de políticas dentro dos presídios. Não há um valor fixo de repasse, mas, segundo o MJ, nos últimos anos, foram disponibilizados R$ 89 milhões para a contratação de três obras. A previsão é que duas delas sejam entregues este ano — um aumento de 400 vagas na penitenciária feminina, e a ampliação do Centro de Detenção Provisória, com mais 400 vagas. Há a previsão da construção de uma Cadeia Pública Masculina, com 3,2 mil vagas no Complexo Penitenciário da Papuda, mas sem data para entrega. Além disso, a promessa é de investimento de mais R$ 452 mil para a compra de materiais para a revista nas unidades.
Com relação às críticas do representante do grupo de direitos humanos de que faltam investimentos para educação, profissionalização e saúde dos detentos, além de capacitação dos servidores, a Assessoria de Imprensa do MJ diz que, entre 2012 e o ano passado, foram repassados ao DF, aproximadamente, R$ 692 mil para essas áreas. O governo federal afirma ainda ter feito o investimento de R$ 892 mil com monitoramento eletrônico.
As unidades do DF
Centro de Detenção Provisória (CDP), inaugurado em 1973
Capacidade 1.212
Lotação 3.478
Centro de Internamento e Ressocialização (CIR), inaugurado em 1979
Capacidade 793
Lotação 1.864
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Centro de Progressão Penitenciária (CPP), em reforma
Capacidade 1.816 (491 em reforma)
Lotação 1.536
Penitenciária I do DF (PDF I), inaugurada em 2001
Capacidade 1.584
Lotação 3.390
Penitenciária II do DF (PDF II), inaugurada em 2005
Capacidade 1.464
Lotação 3.253
Penitenciária Feminina (PFDF), começou a ser ocupada em 1999
Capacidade 514
Lotação 770
Capacidade total 7.383
Lotação total 14.291
Fonte: Subsecretaria do Sistema Penitenciário (Sesipe), vinculada à Secretaria de Justiça do DF
No Brasil
Os dados abaixo são os mais recentes do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (Infopen), de junho de 2013
Detentos em presídios
e delegacias
581.507
Lotação
340.421
Deficit
241.086
Artigo
Investimento em soluções paliativas
A falta de cumprimento dos preceitos da Lei de Execução Penal e o desinteresse de implementação de políticas criminais relevantes demonstram a precariedade do funcionamento das unidades prisionais em todo o país, entre elas as existentes no Distrito Federal. Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontam que, em junho de 2014, o DF alocava 13.200 presos, sendo 26% provisórios, que estavam amontoados nas 6.629 vagas disponíveis. Ou seja, o complexo prisional do DF não é diferente de outras unidades da Federação no quesito superpopulação carcerária.
Outras questões graves se somam à superlotação, como o baixo contingente de servidores para atender as unidades prisionais. Em inspeções realizadas pela OAB/DF em 2014, foram uníssonas as reclamações de detentos quanto à falta de assistência jurídica, médica e odontológica; dificuldades na visitação; ausência de acesso à educação e ao trabalho; falta de medicamentos; irregularidades na concessão do banho de sol etc.
Em face desse panorama do grande encarceramento constata-se a existência de um sistema penal que opera contrariamente ao que se propõe, porque muito se investe em soluções paliativas para seu funcionamento, mesmo que às avessas no recrudescimento desmedido na aplicação das penas e no contingenciamento das verbas destinadas ao sistema penitenciário. Segundo informações do Ministério da Justiça, no ano de 2013, o Funpen recebeu R$ 384,2 milhões destinados às construções e à manutenção do sistema prisional em obras administradas por governos estaduais. No entanto, apenas R$ 40,7 milhões, ou 10,6% desse total, foram efetivamente gastos conforme o planejamento inicial.
Ações concretas visando modificar a reação das pessoas frente à criminalidade devem ser encampadas em estratégias como o controle e a aplicação eficiente das verbas destinadas ao sistema prisional, a transparência da gestão pública, enfim, o cumprimento das assistências previstas na Lei de Execução Penal que constituem direitos dos presos, que, acima de tudo continuam sendo cidadãos.
Neide Aparecida Ribeiro, professora do curso de direito da Universidade Católica de Brasília, advogada, membro da Comissão de Ciências Criminais e Segurança da OAB/DF
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