Durante os cinquenta e tantos anos de bloqueios mentais (chamados complexos) que me acompanharam desde criança, ainda sobraram exatamente dezessete, mesmo depois de pagar a peso de ouro a doutores especializados em Psicoanálise, que por volta da década de 1960 era moda de consumo entre as distintas madames da alta sociedade guanabarina. E esse saldo negativo só foi identificado e equacionado por um psiquiatra recém-chegado da Rússia e que instalou no Rio uma clínica de eletrossono com o maior sucesso financeiro. Ele se tornara meu amigo, desde a reportagem que escrevi para revista Manchete exaltando a novidade científica, e, principalmente, pela feliz descoberta circunstancial de que ambos éramos fãs de conhaque, de preferência o francês Remy Martin.
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Dessas 17 ziquiziras que ficaram, apesar de equacionadas com a ajuda desse amigão de jaleco branco, duas delas insistiam em se manifestar. A primeira, gerando uma timidez sofrida, quando encarava uma bonita moça a quem pretendia namorar, mas sem que saísse uma palavra da minha boca. E a segunda, pela imensa vergonha de chorar em público, na certa porque ouvira de alguém, quando menino: “homenzinho não chora, viu?” Como continuei chorão até a idade adulta, o jeito era chorar o mais silenciosamente possível, escondendo as lágrimas discretamente com as costas da mão (lenço chama a atenção). E chorei, disfarçadamente, em vários lugares: assistindo Nureiev e Margot Fonteyn dançando O Lago dos Cisnes, no palco do Teatro Municipal do Rio de Janeiro; ou a tocata de violinos em Viena, ao lado de minha mulher Lêda.
Para mim, homenzinho que chorava em público exibia fraqueza masculina de macho, o que me ocasionava um profundo abatimento moral. E esse complexo duraria até a noite de 21 de abril de 1960, quando vi Juscelino Kubitschek chorar copiosamente na inauguração de Brasília. E me lembrei que o tinha visto chorar outras vezes, quando ouvia a canção folclórica O Peixe Vivo e o Hino Nacional, que também me fazem derramar lágrimas. E aqui pra nós, não conheci brasileiro mais valente e decidido que o presidente JK, o que provou, historicamente, quando construiu Brasília, enfrentando poderosos inimigos.
Com esse essencial testemunho, foi a partir dessa constatação que me curei definitivamente, demonstrando até valentia. E hoje posso dizer de peito aberto: Sou chorão, sim! E daí, vai encarar?