Jô Soares eternizou, nos anos 1980, o personagem Reizinho. Tratava-se de um anãozinho ridículo que perguntava repetidamente aos asseclas: “neste solo que eu piso e deste povo que eu amo, o que é que eu sou, o que é que eu sou?”. Em coro, os puxa-sacos respondiam: “sois rei, sois rei, sois rei, sois rei”. Não raro, o imperador se atrapalhava quanto ao sujeito da frase – “neste povo que eu piso e neste solo que eu amo…”.
Na segunda década de 2000, o Brasil coroa o imperador da Praça dos Três Poderes. Há mais de vinte anos, Renan Calheiros (PMDB-AL) integra a cúpula que comanda o Congresso Nacional e influencia diretamente nas decisões de todos os governantes que passaram pelo Palácio do Planalto. Nos últimos tempos, ficou evidente que o domínio territorial de Renan alcança o outro lado da Praça. A bandeira de seu império também está fincada no território do Supremo Tribunal Federal.
Era segunda-feira (5). O ministro Marco Aurélio Mello, em decisão monocrática, expediu liminar determinando que Renan fosse afastado da presidência do Senado – ele é réu num processo de peculato, por ter recebido dinheiro de uma empreiteira para pagar a pensão alimentícia de um filho. Qual o quê? Naquele solo que ele pisa e entre o povo que o ama, Renan é rei. Destituí-lo não é tão simples assim. O senador reuniu amigos e arrancou da Mesa Diretora a resolução que lhe garantiria a permanência no cargo, peitando a liminar do ministro.
Marco Aurélio despachou oficial de Justiça para notificar o congressista. Mas Renan deu-lhe as costas e não assinou o protocolo. Em vez de acatar a decisão judicial, articulou com o Palácio do Planalto uma saída salomônica. O presidente Michel Temer e outros caciques entraram em cena. Na quarta-feira (7), o STF capitulou. Por 6 votos a 3, a Suprema Corte manteve o Rei com o cetro, embora impedido de, eventualmente, assumir a Presidência da República em caso de ausência ou impedimento de Temer e do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Agradecido, na quinta-feira (8), o “humilde” Renan retribuiu a benesse recebida. Em um só dia, realizou três sessões no Senado para acelerar a aprovação da PEC dos gastos, prioridade absoluta do Executivo. De quebra, adiou para 2017 a votação do projeto de lei sobre abuso de autoridade. Afinal, rei que é rei também sabe a hora de recuar. Renan entendeu que não é oportuno comprar mais uma briga com o Judiciário e alguns segmentos sociais contrários à proposta que limita os poderes de juízes e do Ministério Público.
“Decisão judicial se cumpre”, encerrou o “obediente” Renan, em tom irônico que deve ter mexido com os brios de Marco Aurélio. Tanto assim, que o ministro instigou o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a abrir inquérito contra o presidente do Senado por descumprimento de ordem judicial.
O atual reinado do coronel das Alagoas encerra-se no dia 2 de fevereiro, na retomada do ano legislativo, após o recesso que começa na quinta-feira (22). Dizem os astros que ReiNan ingressa no inferno astral em abril, e que até junho ele pode sofrer um “cerceamento de liberdade”. Será que o Rei conseguirá reverter o vaticínio do ex-príncipe Eduardo Cunha (PMDB-RJ): “eu sou vocês amanhã”. Desde 19 de outubro, Cunha está preso em Curitiba…