Pacientes sofrem à espera de transplantes e cirurgias. Mecânico espera há dois anos para retirar pedra na vesícula e parar de usar sonda
José Silva Jr
Os dramas diários vividos por pacientes nos hospitais públicos do Distrito Federal se acumulam e são recorrentes. São longas e intermináveis filas de espera por consultas, exames ou procedimentos cirúrgicos. Muitos não resistem. Outros ficam mutilados.
Nas edições 552 e 553, o Brasília Capital trouxe à luz a situação de Raimundo Carvalho Gusmão, 62 anos. Após 45 dias internado no Hospital de Base, ele teve de amputar a perna devido à demora do agendamento de uma cirurgia para corrigir uma fratura no tornozelo.
O caso foi relatado pelo deputado Chico Vigilante (PT) na presença do governador Ibaneis Rocha (MDB), na Câmara Legislativa, e chocou autoridades, políticos e a opinião pública. Com a repercussão, veio a promessa de melhoria imediata no sistema.
Mas não é o que percebe o mecânico-eletricista César Augusto Coelho dos Santos, 62 anos. Ele está há dois anos esperando um procedimento simples no Instituto Hospital de Base (IHBDF): retirar uma pedra na vesícula e a sonda implantada nele para facilitar a saída de urina.
Desespero
Cirurgias como a que César precisa se submeter não demoram nem uma hora, mas são vitais. Para ele, bastaria um mínimo de agilidade e boa vontade, uma vez que está na fila de espera para transplante de rins. E os dois procedimentos são preliminares para a chegada do órgão a ser transplantado.
“O meu médico disse que estou apto a ser transplantado, mas precisa desses dois procedimentos. Estou há dois anos aguardando. É um absurdo. Estou com medo de morrer”, desespera-se o morador do Sol Nascente.
Uma fila com 962 angustiados
Atualmente, a fila de espera por transplantes no DF é de 962 inscritos que aguardam doadores. A maior demanda é para o transplante de rim, com 523 pessoas, segundo dados do InfoSaúde.
A pandemia de covid-19 reduziu o número de doadores. Mas este não é o problema de César. Ele tem três filhos já testados compatíveis e prontos para lhe doar o órgão. Só depende de o Hospital de Base realizar o pequeno procedimento e liberar o trabalhador para a mesa de cirurgia.
Ele teme, no entanto, que não dê tempo e acabe não resistindo ao descaso de que é vítima. “Eles não explicam nada. Fiz exames em março do ano passado. O médico disse que eu estava apto para o transparente, mas, antes, tinha de tirar a bolsa e a pedra. É desumano isso”, lamenta.
Idosa reclama de negligência
Na esteira de exemplos de dramas humanos na rede hospitalar no DF registram-se incontáveis casos. Um deles é o de Odete Vieira da Cunha, 78 anos. A idosa fraturou o fêmur e ficou internada no Hospital Regional de Taguatinga (HRT) esperando cirurgia desde 30 de janeiro.
Às vésperas do carnaval, seus familiares procuraram o Brasília Capital para denunciar a situação dela. Odete viu gente passando à sua frente e nada de chegar o dia de sua cirurgia. “Fiquei em jejum seis vezes por quase 24 horas, com a expectativa de ir para o centro cirúrgico, e nada. A única notícia boa era o aviso de voltar a me alimentar”.
No início da semana, a reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa da Secretaria de Saúde para pedir informações sobre a idosa e outros pacientes que também haviam procurado o jornal. Coincidentemente, no fechamento desta matéria, na quinta-feira (3) à tarde, todos tinham sido operados.
Perfurador
Os médicos do HRT explicaram para Odete que a cirurgia requeria um perfurador de osso. De uma cirurgia para outra, as duas ferramentas que existem no HRT precisam ficar até quatro horas em esterilização, para serem usados de novo. Esse teria sido o motivo de ela ter ficado tanto tempo à espera do procedimento. “Nesses dias, operaram uma moça de 18 anos que aparentava estar mais saudável do que ela”, lembrou a acompanhante de Odete, Maria Margarida.
Secretaria não explica critérios
A fila de espera e os critérios para se entrar nela e lá permanecer por um longo tempo não foram explicados pela Secretaria de Saúde ao ser questionada pela reportagem. O fato é que a fila não para de crescer. E, com ela, o sofrimento e o sentimento dos pacientes de que são vítimas, acima de tudo, de negligência e discriminação.
Estefane Andreia Ferreira do Nascimento, 14, estava há um mês prostrada numa maca do HRT, perdendo aula, porque sua cirurgia de recomposição dos ligamentos do joelho não acontecia. Desesperada, a mãe, a autônoma Liedete Pereira Ferreira, também procurou o Brasília Capital. A demora a impedia de ganhar o sustento da casa.
“Toda vez eles tinham uma desculpa para cancelar a cirurgia da minha filha. Tenho dois filhos pequenos que precisam de mim. Faço bicos para sustentar minha família, pois estou desempregada. É uma falta de respeito”, protestou a moradora do Recanto das Emas.