A jornalista Uyara Pereira é mãe de um menino de sete anos diagnosticado com Transtorno de Espectro Autista (TEA). Mas só descobriu o problema quando o filho já estava com três anos. “Foi um mix de sentimentos. Por um lado, veio a preocupação de enfrentar uma situação nova e os desdobramentos que viriam com ela, como psicoterapia, acompanhamento, esforço para que a criança, quando maior, consiga se socializar”, relembra.
Mas o cenário também trouxe a preciosa sensação de alívio. “A gente observa o nosso filho com comportamentos diferentes das demais crianças e não consegue entender o que está acontecendo. Eu achava que a culpa era minha, que estava criando o meu filho errado, e por isso ele se portava de maneira tão diversa. Quando veio o diagnóstico, de certa forma um peso enorme foi tirado das minhas costas. Afinal, não era um erro meu”.
Como não se angustiar com o que o futuro reserva para mães de filhos atípicos numa sociedade que de um lado exige conduta exemplar e sem erros das mães e, de outro, não oferece acolhimento ou tolerância mínima, como é o caso de tantas mulheres que perdem o emprego assim que retornam da licença maternidade?
Os anseios permeiam questões complexas, como a saúde do pequeno ser gerado por ela, e dúvidas ou anseios que ainda se mostram longe no horizonte, como: “Será que ele vai ser sociável?”, “Vai fazer amizades?”, “E o futuro, o que reserva?”, “Vai namorar, trabalhar?”
Esses dilemas se agravam para as mães que têm crianças com condições neurodivergentes. E se somam a outros: “Preciso estimular mais?”, “terei dinheiro e tempo para os acompanhamentos necessários?”, “quais são os direitos que temos?“, “Como tornar o mundo mais receptivo à minha criança?”.
Mãe tem essa tendência de puxar para si a responsabilidade por qualquer coisa possa ocorrer com os filhos. E para as mães de filhos diagnosticados com alguma neurodivergência, como o TEA, ou mães neurodivergentes, o desafio é ainda maior. As dúvidas e inseguranças passam a fazer morada no coração.
Amor: o combustível para seguir em frente
Carolina Passos, psicóloga especialista em autismo, explica que o termo neurodivergente ainda tem muita discussão no campo da saúde. “Poderíamos delimitar neurodivergência com as pessoas com perfil neurológico que diferem da média, e que fazem que a pessoa tenha uma percepção diferente do mundo, do meio. Essa caminhada para se ajudar é o grande desafio, que na maioria das vezes fica sobre os ombros da mãe”, relata.
A psicóloga explica que as maiores dificuldades enfrentadas pelas mães de crianças neurodivergentes são criadas por uma sociedade que exige ajuste aos padrões. “Maternidade em condições habituais já tem inúmeros percalços. Essa situação aumenta sensivelmente no caso das mães de crianças neurodivergentes, o que acaba refletindo na saúde da própria mãe” diz. Ansiedade, hipervigilância, estresse comparado a soldados em front de guerra são alguns sintomas observados.
Empatia: o primeiro passo
Toda criança é única. Ter empatia com a realidade e as necessidades da mãe com crianças neurotípicas ou neurodivergentes é o primeiro passo para criarmos ambientes acolhedores e inclusivos, e aliviar um pouco a caminhada dessas mães.
O preconceito, o medo de olhares na rua e a discriminação também são parte dos receios enfrentados diariamente pelos pais. Uyara conta que precisou trocar o filho da antiga escola, particular, por uma pública, visto que no estabelecimento privado os professores negligenciavam o filho.
“Foram incontáveis episódios de agressão ao meu filho, que ficavam por isso mesmo. Como neurodivergente, ele tem muita rigidez cognitiva, ou seja, obedece regiamente aos comandos. Cansada de pedir atenção das professoras, orientei meu filho a se defender. Só aí que a escola começou a nota-lo, quando ele passou a revidar as agressões”.
Na atual escola, pública e localizada na Asa Sul, o atendimento é muito mais direcionado, segundo Uyara. “Hoje, o meu pequeno tem uma professora maravilhosa, e toda uma equipe de apoio. Mas temos muito mais crianças do que vagas, ou seja, muitas crianças ficam à mercê de escolas negligentes”.
Cuidando de quem cuida
Em 2020, um estudo da Genial Care chamado de “Cuidando de quem cuida: um panorama sobre as famílias e o autismo no Brasil”, observou que 86% dos cuidadores principais de crianças com TEA, até 12 anos, são as mães.
Outro fator que contribui para maior sobrecarga das mulheres é o abandono. Segundo dados do Instituto Baresi, de 2012, cerca de 78% dos pais abandonaram as mães de crianças com deficiências e doenças raras antes de os filhos completarem cinco anos de vida.
Essa é a realidade da comunidade do autismo, quando o assunto é maternidade. Independentemente do perfil familiar ou da classe social, na grande maioria das vezes a mãe de autista acaba sendo o principal ponto de apoio para os filhos.
Carolina frisa que a culpa da sobrecarga das mães não é da criança autista. “Em um mundo ideal, o mundo que estamos buscando construir, as mães apenas teriam que se ajustar a uma criança com características diferentes”, diz a psicóloga.
Hoje, segundo Carolina, “além de aprender a criar um filho que tem demandas diferentes das comuns às outras crianças, a mãe ainda precisa lutar contra todas as barreiras que a sociedade impõe ao desenvolvimento dos neurodivergentes. É na luta contra essas barreiras que reside a maior fonte de cansaço e estresse dessas mães”, finaliza.