Se as centenas de milhares de apoiadores vestidos de verde e amarelo acreditavam que Jair Bolsonaro iria dobrar a aposta diante da investida da Polícia Federal e da Justiça para apurar seu envolvimento na tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023, tiveram uma profunda decepção.
Acuado e com receio de acabar preso, durante a manifestação de domingo (25), na Avenida Paulista, o ex-presidente, mais uma vez, recuou no seu conhecido discurso permeado de bravatas agressivas e pregou a “pacificação” do País.
O receio de se complicar era tanto, que ele orientou sua base de apoio – ainda expressiva, é preciso destacar – a não levar cartazes pregando a ruptura do sistema, como pedidos de intervenção militar e da deposição dos ministros do STF. Afinal, é justamente pela acusação de tentativa de golpe de estado que a liberdade de Bolsonaro está em risco.
Portanto, ficou a cargo de um apoiador conhecido a tarefa de proferir as falas mais ríspidas. O pastor Silas Malafaia fez um discurso em que citava o ministro do Supremo, Alexandre de Moraes. Mas até o falastrão empresário da fé estava mais contido: acusou o magistrado de ser contra a extrema direita, mas não dirigiu nenhuma ofensa ou xingamento a Moraes. E exaltou que uma eventual prisão de Bolsonaro seria a “destruição” de seus opositores.
Bate e assopra
Bolsonaro despejar bravatas para a sua “claque” – termo corriqueiro na política para designar os apoiadores de um partido ou político – e depois recuar não é novidade. Apesar de falastrão, o ex-presidente nunca foi conhecido por ter coragem.
No ato de 7 de setembro de 2021, em Brasília e na Avenida Paulista, Bolsonaro praticamente impôs um “all in” – aposta total – contra os Poderes Executivo e Legislativo. Declarou que não iria obedecer às determinações judiciais, ameaçou nominalmente ministro da Suprema Corte e questionou, com um ano de antecedência, o resultado da eleição para presidente, talvez por já prever a derrota em outubro de 2022 e que motivou a tentativa de golpe hoje sob investigação da PF e no STF.
Na ocasião, Bolsonaro incitou Alexandre de Moraes a “pedir para sair”. “Dizer a esse ministro que ele tem tempo ainda para se redimir. Tem tempo ainda de arquivar seus inquéritos. Sai Alexandre de Moraes, deixa de ser canalha, deixa de oprimir o povo brasileiro”.
Com sua campanha pelo voto impresso obstada pelo STF por inconstitucionalidade, atacou também o ministro Roberto Barroso, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral: “Não é uma pessoa que vai nos dizer que esse processo é seguro e confiável, porque não é. Não posso participar de uma farsa como essa patrocinada pelo presidente do TSE”.
Dois dias depois, Bolsonaro recuou de suas palavras. Proferiu uma nota, afirmou que não teve “nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes”, e atribuiu palavras “contundentes” anteriores ao “calor do momento”.
“Nunca tive nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes. A harmonia entre eles não é vontade minha, mas determinação constitucional que todos, sem exceção, devem respeitar”, afirmou.
Surto de valentia
Em 2022, durante mais um surto de valentia, Bolsonaro declarou que uma empresa privada iria fazer uma auditoria nas eleições daquele ano. E ameaçou o TSE, ao declarar que os resultados da análise poderiam complicar o tribunal se a empresa constatasse que é “impossível auditar o processo”.
Em seguida, disse que “estamos vendo o TSE”, além de os ministros da Corte, “ficarem numa situação bastante complicada”. Ele citou o presidente do tribunal, Edson Fachin, além de Moraes, Luís Roberto Barroso e Ricardo Lewandowski.
Então presidente do TSE, Fachin reagiu à fala de Bolsonaro, que queria impor uma interferência indevida das Forças Armadas no processo eleitoral, e mais uma vez o ex-presidente afinou: após seguidas declarações hostis e insinuações de um possível golpe, baixou o tom para se referir aos ministros do tribunal e às eleições:
“Não existe interferência, ninguém quer impor nada, ninguém quer atacar as urnas, atacar a democracia, nada disso. Ninguém está incorrendo em atos antidemocráticos”, declarou.
Réu confesso
Com as investigações sobre a tentativa de golpe no 8 de janeiro colecionando uma farta quantidade de provas em áudio, vídeo e mensagens telefônicas, sobrou para Bolsonaro, no ato de domingo, apelar para a recomposição.
Apesar de reclamar a sua inelegibilidade e criticar o STF pelas penas impostas aos que participaram dos ataques às sedes dos três Poderes, passou boa parte da sua fala se queixando de “pancadas” que tem levado e de uma suposta “perseguição” imposta contra ele.
Aproveitou para se defender, ao declarar que jamais participou de uma trama golpista em 2022. Ainda que negasse qualquer participação, algo difícil de sustentar com tantas reuniões gravadas em vídeo, Bolsonaro não deixou de vestir a carapuça ao questionar: “O que é golpe? É tanque na rua, é arma, conspiração. Nada disso foi feito no Brasil”.
O ex-presidente ainda tentou minimizar a existência da minuta do decreto encontrada na residência do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres. “Agora o golpe é porque tem uma minuta do decreto de estado de defesa. Golpe usando a Constituição? Tenha paciência”, disse, ao reconhecer a existência da minuta de decreto.
Para completar o tom “pacificador”, Bolsonaro pediu apoio do mesmo Parlamento que seus apoiadores tentaram destruir. “Agora, nós pedimos a todos os 513 deputados e 81 senadores, um projeto de anistia para que seja feita justiça em nosso Brasil. E quem, porventura depredou o patrimônio, que nós não concordamos com isso, que pague. Mas essas penas fogem ao mínimo da razoabilidade. Nós não podemos entender o que levou poucas pessoas a apelarem tão drasticamente. Esses pobres coitados que estavam lá no 8 de janeiro de 2023”.