Moradora do Cruzeiro Novo acha mais fácil conseguir uma consulta em Porto Alegre do que no Distrito Federal
Da Redação
Gicelda Corrêa Machado, 58 anos, mora no Cruzeiro Novo, mas conta que consegue com mais facilidade uma consulta médica no SUS em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, sua terra natal, quando vai visitar os parentes, do que no Distrito Federal.
“Lá, pode demorar alguns dias, mas a gente consegue, no mínimo, acesso aos médicos. Aqui, na capital da República, a gente não chega nem perto disso. É uma situação muito humilhante para o cidadão”, compara.
Gicelda não é exceção, mas uma regra que atinge milhares de pacientes descontentes com o atendimento (ou a falta dele) na rede de saúde pública do Distrito Federal.
“O cidadão procura um posto de Saúde e, lá mesmo, é informado de que precisa comprovar que reside naquela Região Administrativa. Caso não tenha como, precisa ir a um cartório com assinatura do locatário do imóvel em que mora, para poder, quem sabe, agendar uma consulta”.
Gicelda precisava de uma consulta ginecológica que não é oferecida nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs), mas não se consegue sem o encaminhamento feito em uma delas. “Andava com algumas dores no baixo ventre e procurei me consultar. Diante da dificuldade que encontrei, minha neta até brincou: ‘imagina o que acontece com os moradores de rua que não têm comprovante de nada!”, brinca a ‘pré-candidata’ a paciente.
Ela afirma que o descaso é recorrente. “Isso vai frustrando a gente. Muitas pessoas acabam desistindo. A gente pensa que o único jeito é aguentar a dor. Resta apenas se apega mesmo a Deus para que Ele blinde nossa saúde”.
Médicos mostram desânimo
Médica da Secretaria de Saúde desde 1999, FGL (que pediu para ter o nome preservado por temer represálias da chefia) se diz triste e desanimada com a situação da Saúde no DF. “As condições pioraram. A atenção primária é deficiente, faltam reagentes para exames e o acesso do cidadão à saúde foi burocratizado. Sempre falta algo em relação ao diagnóstico e tratamento do paciente”, desabafa.
A burocratização dos processos na Secretaria de Saúde, afirma a médica, criou barreiras de acesso. Isso vai desde a falta de compatibilidade entre os sistemas de prontuário eletrônico à dificuldade de encaminhamento de pacientes de unidades sob gestão da SES às administradas pelo IGESDF.
Nas UBS, usa-se um sistema de prontuário eletrônico que não é compatível nem com o que é usado nas unidades de saúde da SES nem com o que é usado nas UPAs, Hospital de Base e de Santa Maria, administrados pelo IGES-DF.
“Tudo isso impacta no nosso trabalho e cria um desânimo enorme. O pior é que há anos não se realiza um concurso público para contratação de médicos e quando se contrata é a contagotas, mas assim, já começam sobrecarregados e com um salário defasado. Acaba que ninguém quer permanecer”, conclui.
Sindicato aponta mais problemas
O Sindicato dos Médicos (SindMédico-DF) tem denunciado situações como a de Gicelda Machado e outros problemas na rede pública de saúde do DF. Entre eles, o desabastecimento de medicamentos e insumos, reagentes para exames, falta de manutenção de equipamentos, desorganização nos processos de trabalho, insuficiência de profissionais (especialmente médicos) e sobrecarga de trabalho.
“Todos esses problemas dificultam o trabalho dos profissionais de saúde e prejudicam a assistência à população”, aponta o presidente do SindMédico, Dr. Gutemberg Fialho. Exemplo dessa situação é o Hospital Regional do Gama. Em três vistorias, de junho de 2021 a janeiro deste ano, o sindicato enviou às autoridades relatórios apontando uma série de deficiências. Pela falta de clínicos gerais, foi pedida a interdição ética naquele setor do hospital.
Sem medidas efetivas para corrigir as falhas, em janeiro, o Conselho Regional de Medicina ameaçou a interdição ética no serviço de clínica médica do HRG. Passadas três semanas, a 2ª Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde (Prosus) do Ministério Público do DF (MPDFT) notificou a Secretaria de Saúde da falta de parafusos e placas ortopédicas no hospital.
“São três instituições apontando irregularidades. E mesmo quando se toma alguma medida para sanar, não há efetividade nas ações da Secretaria. O caso do HRG não é pontual, é a regra do que ocorre tanto nas unidades de saúde sob gestão direta do GDF quanto nas unidades administradas pelo Instituto de Gestão Estratégica de Saúde (IGES-DF”, aponta Gutemberg.
Dificuldade começa na atenção primária
Segundo a última edição da Demografia Médica Brasileira, de 2020, Porto Alegre tinha, naquele ano, 9,94 médicos para cada 1 mil habitantes. No mesmo ano, o DF contava com 15.413 médicos em atividade para uma população de 3.015.268 habitantes (5,11 médicos para cada 1 mil habitantes). No entanto, quando se compara o estado, a razão de médicos por habitante no Rio Grande do Sul cai para 1,8 médico para cada grupo de 1 mil habitantes.
“É uma situação sem paralelo esta que vivemos no DF. Somos a menor unidade federativa e não temos as dificuldades orçamentárias que os municípios enfrentam, mas a oferta de assistência à saúde fica aquém do que é oferecido pelas capitais dos estados”, conclui o presidente do SindMédico.