No Mês da Mulher (março), o Distrito Federal tem pouco a comemorar. Infelizmente, no que diz respeito à Atenção à Saúde da Mulher, o que vemos é o descaso. Os números provam isso. Com mais de 52% da população composta por mulheres, em 2022 apenas 1.345 mamografias foram realizadas. Em 2021, com público elegível para o exame de mais de 153 mil mulheres (com idades entre 50 e 69 anos), apenas 3.658 foram feitos. E embora a gestão pública faça do mês de outubro uma espécie de “programa” para a realização da mamografia, o fato é que a baixa oferta resulta em 70% dos casos de câncer de mama com diagnósticos em estágio avançado.
Ao longo dos anos, venho chamando a atenção para a falta de continuidade de políticas públicas de saúde nas trocas de governo. Acontece que esse é um problema grave, que afeta, entre outras coisas, a saúde da mulher. É preciso fazer gestão permanente. A descontinuidade administrativa na gestão pública faz com que o acesso à saúde da mulher seja, ano a ano, um desafio. Praticamente um calvário. Porque quando um câncer, por exemplo, é diagnosticado, a Lei determina que o tratamento seja iniciado em no máximo 60 dias: isso não acontece hoje no DF.
E o câncer, tanto de mama quanto de colo de útero, cuja prevenção é feita por meio do Papanicolau, está longe de ser o único problema na Atenção à Saúde da Mulher no DF. O descaso com a saúde das mulheres começa no fato de não se oferecer consulta ginecológica de rotina na Atenção Primária (postos de saúde). Aqui, é importante salientar: as UBSs são o caminho para a prevenção de doenças. Portanto, não tem como falar em assistência à saúde quando, segundo dados do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), o DF tem a pior cobertura da Atenção Primária no País.
Segundo o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM), que existe desde 2003, os estados e o DF devem “promover a melhoria da saúde das mulheres brasileiras, mediante a garantia de direitos legalmente constituídos e ampliar o acesso aos meios e serviços de promoção, prevenção, assistência e recuperação da saúde”. Dentro das diretrizes, está previsto o objetivo de “eliminar a sífilis congênita como problema de saúde pública” (quando a doença é transmitida de mãe para filho). No entanto, no DF, não é o que acontece.
Na capital do País, os casos de sífilis vêm aumentando. De 2017 a 2021, foram notificados 9.813 casos de sífilis adquirida, 3.370 casos de sífilis em gestantes e 1.645 casos de sífilis congênita. Quando do anúncio dos dados, no ano passado, um dos representantes da Secretaria de Saúde reconheceu: “Precisamos rever os processos de trabalho, principalmente na Atenção Primária, para melhorar a capacidade de diagnóstico e tratamento, reduzindo assim a transmissão, principalmente, da sífilis congênita. Além disso, fortalecer o pré-natal, que é onde a gestante é acompanhada”.
Como disse no início deste artigo, política pública em saúde é compromisso para além da troca de governos. Precisa ser um projeto de longo prazo – muito mais do que quatro anos. Sem isso, o “Mês da Mulher”, a exemplo do “Outubro Rosa”, não passará de marketing para inglês ver. É preciso fazer da Atenção Primária uma verdadeira porta de entrada para o SUS, com ginecologistas e outros médicos especialistas. E sempre vou bater nesta tecla: é necessário reverter o Converte (programa de Rodrigo Rollemberg que tirou médicos especialistas das UBSs).
No mais, desejo que, no próximo Mês da Mulher, eu possa estar aqui para dizer que a situação mudou para melhor. E que, finalmente, o número de mortes evitáveis (como acontece com o câncer de mama e de colo do útero) está em queda. Como ginecologista, sei que o melhor presente neste e em outros meses é: saúde, dignidade e respeito. Nem mais e nem menos. Precisamos, com urgência, da permanência das políticas públicas em saúde, para que perdure e reverta a situação atual. O não acesso à saúde, que é um direito, também é uma forma de assédio.