O ex-ministro da Secretaria de Governo da Presidência da República, Carlos Alberto Santos Cruz, atribuiu, em entrevista ao jornal argentino La Nación, a “grupos radicais e extremistas” os erros cometidos pelo presidente Jair Bolsonaro. Um dos militares de maior prestígio nas Forças Armadas, o general deixou o cargo em junho do ano passado em meio a rumores de choques com o chamado “Gabinete do Ódio” de Bolsonaro” instalado no Palácio do Planalto, comandado pelo deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente.
Para Santos Cruz, os erros cometidos por Bolsonaro geram insegurança e até versões de que nas últimas semanas houve uma espécie de intervenção militar no Poder Executivo brasileiro. “A perturbação democrática vem do lado dos extremistas, não dos militares”, assegurou o general, que comandou tropas das Nações Unidas no Congo e no Haiti.
Segue a entrevista:
As informações vindas do Brasil geram confusão. No exterior não se entende, por exemplo, como o presidente pode entrar em atrito com o seu ministro da Saúde em meio a uma pandemia. Como o senhor vê esta situação? – A crise do coronavírus trouxe consequências políticas. No início faltou coordenação, e isso não foi bom. O ministro da Saúde, que é do governo, recomendou o isolamento social para que o Brasil tivesse tempo de se preparar. Porém, nesse momento surgiram três componentes muito fortes da crise: A necessidade de cuidar da vida dos brasileiros, a questão econômica e, em terceiro lugar, a politização.
O Ministério da Saúde recomendou o isolamento, mas o Presidente aparece saudando as pessoas pelas ruas… – Claro, surgiu uma discrepância que gerou insegurança, tanto aos cidadãos brasileiros como nos observadores externos.
O senhor conhece o presidente. O surpreendeu que ele tenha desafiado seu próprio ministro da Saúde? – É que nesses momentos entraram em ação os grupos mais radicais.
O “Gabinete do Ódio”? – Sim. Mas não são apenas pessoas que estão dentro do governo; também existe gente de fora. Esse grupo, que não é tão grande, mas que faz muito barulho, manipula informações, faz circular informações falsas, são fanáticos extremistas. Em vez de ajudar, agravam o conflito.
Muitos se perguntam como convivem as Forças Armadas do Brasil com este grupo que o senhor define como extremista. – Em primeiro lugar, é necessário separar os militares da ativa, a instituição militar, dos militares que estão no governo. Esses que estão no governo não representam a instituição militar. São ministros do governo e não estão atuando como militares. As Forças Armadas têm uma posição institucional. São coisas diferentes. É preciso entender isso. E as Forças Armadas, como instituição, não se envolvem neste tipo de situação.
É impensável uma intervenção das Forças Armadas nesta crise? – Absolutamente. O Brasil tem um presidente eleito, seus Podres funcionam corretamente. Isso não tem nenhum sentido. Bem ou mal, as medidas estão sendo adotadas.
O tema da personalidade de Bolsonaro é complicado? – Sim. E isso é estimulado por esses grupos radicais. Quando se tem um presidente assim, deve-se buscar atenuar as consequências, não agravá-las. E eles fazem o contrário. Geram conflitos com os governadores. Existe ministros que geram conflitos absurdos.
De fora, a impressão é de que o Brasil tem dois governos: Um moderado, que está atuando, e outro radical. – Claro. O Ministério da Saúde está funcionando bem. Está adotando medidas. O Ministério da Economia, também. Porém, o outro grupo, os extremistas, gera uma situação que complica todo o processo. São eles que estão dificultando as ações do governo.
O deputado Eduardo Bolsonaro, filho do Presidente, e o ministro da Educação criaram um conflito com a China… – Para quê nos interessa um conflito com a China neste momento? Não interessa mais resolver o problema do coronavírus? É completamente descabido. Fruto de falta de objetividade e ignorância. São pessoas irresponsáveis.
O que lhe pareceram comentários sobre uma eventual renúncia do presidente, inclusive pedidos para que ele seja destituído? – Não tem nenhum sentido. Isto não vai ocorrer. O que teria de ser feito é silenciar os que se comportam como uma milícia digital e perturbam o ambiente. A sociedade sabe que são e que eles afetam o equilíbrio. Creio que o presidente chegará a essa conclusão.
A democracia brasileira está forte neste momento? – A democracia brasileira está muito forte. As disputas entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário são parte da democracia. E dizer que militares são parte do governo não tem nada que ver com uma suposta fragilidade da democracia. Podem criticar a preferência do governo por militares, porém, daí a dizer que a democracia está em risco, é um equívoco. A perturbação democrática vem do lado dos extremistas, não dos militares. São os que geram a divisão social, disputas, teorias da conspiração permanentes, ataques pessoais de baixo nível. Os que geram riscos são estes inconsequentes, não os militares.
Que conselho o senhor daria a Bolsonaro neste momento? – Seria honesto, como sempre. Lhe diria que isole este grupo de radicais, que não tenham influência direta no governo. Eles o estão prejudicando. Existem bons ministros. São eles que devem assessorar o presidente.