O governo tira recursos da Seguridade Social para bancar outras despesas. Esta prática faz, inclusive, entidades como a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais (Contag) duvidarem de que haverá o anunciado rombo de mais de R$ 180 bilhões na Previdência Social no próximo ano. Existem economistas e parlamentares que, igualmente, fazem coro contra a reforma que o governo pretende implementar no sistema previdenciário exatamente pelo mesmo motivo.
“A Anfip tem revelado que, entendida como uma das ações da Seguridade Social, a Previdência não tem rombo. Ao mesmo tempo, se recuperarmos a história, verificaremos que desde o surgimento deste sistema no Brasil, em 1923, os valores foram sendo acumulados, gerando elevados déficits nos fundos dos antigos institutos. Isto possibilitou, na década de 1960, a realização de grandes obras, como a construção de Brasília, a Ponte Rio-Niterói e a Transamazônica. Em valor estimado, o desvio foi superior a R$ 400 bilhões”, afirma o presidente da associação, Vilson Romero, ao Brasília Capital.
Dívida ativa
De acordo com Romero, o governo revela que há uma dívida ativa previdenciária de mais de R$ 374 bilhões (em 12/2015). E por aí seguem os descalabros, da mesma forma que o governo segue retirando dinheiro destinado às aposentadorias para beneficiar setores diversos (micros e pequenas empresas, agroexportador, filantropia etc). Só em 2016, no próprio orçamento da União, há previsão de renúncias previdenciárias da ordem de quase R$ 70 bilhões.
“Ao mesmo tempo, o governo utiliza o instrumento da DRU (Desvinculação das Receitas da União) para contingenciar e destinar a outros programas (pagamento dos juros e amortização da dívida pública, por exemplo) e reservar 30% dos recursos das contribuições sociais para o orçamento da Seguridade Social. Com a recente PEC aprovada sobre este assunto, estima-se desvios da ordem de R$ 120 bilhões em 12 meses. Que rombo é este?”, questiona.
A Confederação dos Trabalhadores Rurais (Contag) também fez um estudo e o divulgou em forma de cartilha no mês passado, na Comissão de Direitos Humanos do Senado. De acordo com a confederação, os dados são da Anfip, do Ipea, do Dieese, do IBGE e da Receita Federal. O presidente da comissão, senador Paulo Paim (PT-RS), afirmou que “a Previdência não precisa de reforma, tendo em vista que o superávit está mais do que comprovado”.
Aplicação
A Anfip entende que a segunda “operação de subtração de receitas da Seguridade Social” é desconsiderar recursos gerados com aplicações financeiras de diversos órgãos do sistema, como autarquias e fundações. A associação cita o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que recebe dinheiro extra em suas aplicações no BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e outras instituições. “Somente em 2015, essa subtração chegou a R$ 14 bilhões do FAT”, sustenta a Anfip.
Manobra para criar prejuízo
Outra manobra do governo, assegura a Anfip, é que há o acréscimo de receitas e despesas dos regimes previdenciários de servidores e de militares, sem necessidade, já que eles têm regimes próprios. O motivo é que, assim, o governo soma “as respectivas despesas, que são muito superiores. E, então, pode apresentar um déficit que não existiria”.
Detalhando, a associação lembra que “o regime dos servidores tem natureza contributiva. A ele são devidas contribuições dos ativos, aposentados e pensionistas. E a contribuição patronal corresponde, para fins de cálculo de resultado, ao dobro da contribuição dos ativos, exclusivamente. Mesmo assim, não é possível exigir que as receitas superem todas as despesas desses regimes. Mas, para a Seguridade Social, o regime previdenciário é exclusivamente o Regime Geral de Previdência Social”.
Interrogação
Depois de citar esses exemplos, a Anfip indaga: “Como concluir por déficit se contabilizamos regimes não contributivos e que não são regidos por exigências de equilíbrio financeiro e atuarial? Na prática, como não há receitas, acrescentamos apenas as despesas”. E conclui: “Quando o governo soma despesas de três regimes diferenciados, torna-se impossível fechar as contas. Nem mesmo se cortarmos drasticamente os direitos previdenciários dos trabalhadores ou se reduzirmos as despesas com a saúde ou a assistência social, seria possível economizar o suficiente para financiar as despesas de aposentadorias de servidores e militares”.
No estudo divulgado pela Anfip há uma série de tabelas com números que, no entendimento da associação, confirma a tese que defende. Já o senador Paulo Paim diz que a “falácia” (enganação) do déficit da Previdência Social é apenas “pretexto para tirar os direitos dos trabalhadores e aposentados”.
Critério fere a Constituição
O professor de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Eduardo Fagnani, coordenador do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho (Cesit), também é categórico ao afirmar que não existe déficit na Previdência Social. Ele afirma que tanto o Poder Executivo quanto o Poder Legislativo não consideram a Previdência como parte da Seguridade Social, o que está estabelecido na Constituição.
“Desde 1989, o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) adota critério contábil segundo o qual a sustentação financeira da Previdência depende exclusivamente das receitas próprias do setor (empregados e empregadores)”, afirma. “A parcela que cabe ao governo no sistema tripartite não é considerada. Essa lacuna leva, inexoravelmente ao “déficit” do Regime Geral de Previdência Social (Urbano e Rural)”, acentua.
Contrariedade
“As contribuições sociais pagas pelas empresas sobre a folha de salários, o faturamento e lucro, e as contribuições pagas pelos trabalhadores sobre seus rendimentos do trabalho integram esse rol exclusivo de fontes do Orçamento da Seguridade Social”, acrescenta Eduardo Fagnani.
Seu argumento principal é o de que os “detentores da riqueza” estão contrariados porque 10% do gasto público federal em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) passaram a ser vinculados à Seguridade Social constitucionalmente.
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