Anna Ribeiro (*)
Ser uma pessoa autêntica, legítima, original e única está na moda. Fala-se muito, porém superficialmente, de individualidade. Equívocos vocálicos e de personalidade. Há uma necessidade de um autoapartheid social e, em alguma medida, até biológico.
Paga-se cada vez mais por exclusividade. Os muitos procedimentos estéticos comprovam essa uniformização. Todos querem ser diferentes, mas o interessante é que todos estão ficando tão iguais. Como diria a canção: “todos iguais, todos iguais, mas uns mais iguais que os outros”.
Que pena, que triste, que pobre, que engano! Em busca dessa originalidade, as pessoas estão ficando cada vez mais distantes de si e construindo personagens irreais e insustentáveis a longo prazo.
Nega-se características físicas, origens sociais, credos. Nega-se a replicação cultural, porém, paradoxalmente, a cada dia que passa somos mais ritualísticos! Compartilho com você o que escrevi há alguns dias para minha mãe:
“Olhando no espelho, percebo que sou duas. Sou eu e sou você. No espelho, os mesmos traços, tu e eu; o mesmo riso, o mesmo rasgo, a mesma inocência e fé, o mesmo olhar, a mesma boca, o mesmo choro contido. Te trago desenhada no meu rosto, desenhada na minha pele. E eu só existo porque me destes seu nome, seu sangue, sua história, sua força e sua fragilidade. Olhando mais profundamente no espelho, eu sinto que nossas almas são ligadas desde o princípio e serão sempre, porque você me vê até quando eu mesma não me enxergo. Somos feitas da mesma pedra, tu e eu. Carregamos as mesmas dores, os mesmos sonhos, a mesma fé e a mesma febre. Nos conhecemos e nos falamos em sonhos, em pensamentos, em olhares. Somos cúmplices de vida”.
Olho novamente no espelho. Sou muitas. Trago traços, trejeitos, jeitos, manias, replico rituais e expectativas. Sou muitas, plural. De repente, abro os olhos e vejo flores lindas, um pouco distantes de mim. Elas parecem dançar entre as folhagens verdes que esbanjam vida. Contemplo, com tempo, longamente.
Ao olhar para os lados, vejo pétalas caídas. Sou flor decaída, como o anjo Gabriel, expulsa do paraíso. O que me instiga é que não me sabia pétala, não me percebia no paraíso. Às vezes é preciso cair para contemplar. Estou no chão, tendo a melhor perspectiva. Só poderia ter esta lucidez deste lugar. Contemplo.
Repentinamente uma alegria quente me invade e me comove. Assim como essas flores alegraram alguém com todo esse rubor que é quase despudor, também eu devo ter sido alvo de algum voyeur. Acho que agora, que sou flor em chão posso criar raízes, me fundir à terra, à água ao ar e voltar a florir.
Morro pétala, renasço planta, raiz. Morro árvore, revivo flor.
(*) Escritora