Lira, antes de ser deputado, fugiu de inundação no Nordeste e salvou São Sebastião de virar represa do rio São Bartolomeu
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A esmagadora maioria dos nordestinos que abandona seu torrão natal o faz para fugir da seca medonha que historicamente castiga aquela parte do território nacional. Mas, como se sabe, para toda regra existem exceções. Este é o caso do potiguar Ivonildo Antônio Lira de Medeiros da Silva, ou simplesmente, Deputado Lira.
Em 1979, antes de completar 18 anos de idade cronológica, Lira tornou-se mais um número na incontável estatística de nordestinos que vieram para Brasília em busca de vida melhor. Ao contrário de seus conterrâneos, entretanto, o que o expulsou da pequena São Rafael (RN), a 380 quilômetros de Natal, não foi a seca, mas, sim, o excesso de água.
Naquele ano, o rio Piranhas foi represado e as águas da barragem inundaram a maior parte do município. O governo estadual pagou uma indenização para os moradores reconstruírem suas casas em outra área. Mas Lira preferiu aproveitar a mudança para deixar tudo para trás e pegar o rumo da Capital da Esperança, que era como aprendera a enxergar Brasília no Mapa do Brasil, nas aulas de Geografia que assistia na escola pública que frequentava.
Chegou aqui apenas com a cara, a coragem, uma surrada mala de couro com meia-dúzia de peças de roupas e alguns caraminguás no bolso. Dinheiro suficiente apenas para pagar os primeiros dias da pensão onde se hospedou na W-3 Sul, uma média no café da manhã e um PF (prato feito) no almoço e no jantar. E foi à luta. Logo arrumou emprego e começou a estudar. Namorou com Ana Sílvia e casou-se em 1986.
A segunda inundação
Diz a lenda que o raio não cai duas vezes no mesmo lugar – o que, cientificamente, já foi desmentido. E quis o destino que Lira estivesse, pela segunda vez, numa terra condenada a ser coberta pelas águas de uma barragem. Ao mudar-se para a então Agrovila São Sebastião, na parte Leste do Distrito Federal, deparou-se com a realidade de que a área seria tomada pela futura represa de São Bartolomeu.
A notícia fez transbordar os brios daquele nordestino recém-casado retirante das águas. Disposto a não sair da casinha construída com todo esmero, Lira fundou a Comissão Pró-Independência de São Sebastião. Arregaçou as mangas e, apesar de seu pouco mais de 1,70m de estatura, agigantou-se.
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A vitória consolidou-se sete anos depois, quando, em 1993, o governador Joaquim Roriz publicou decreto criando a Região Administrativa XIV, fundando oficialmente a cidade de São Sebastião. E o governo, em vez de represar o rio São Bartolomeu, construiu a barragem de Corumbá IV, para as bandas de Luziânia (GO).
Àquela altura, a Agrovila que em 1986 tinha apenas 15 mil habitantes quadruplicara a população, que desde então já dobrou e chega hoje a 120 mil pessoas, incluindo o Setor Habitacional Mangueiral, sem contar os condomínios vizinhos, que pertencem à Região Administrativa do Jardim Botânico, no entorno da Escola Fazendária.
A terceira mensagem
Já formado em Jornalismo, Lira seguiu sua trajetória de líder comunitário, fundando um pequeno jornal para defender os interesses da sua cidade de São Sebastião. Em algumas campanhas apoiou candidatos que levantavam as bandeiras da população local. Mas em 2014 decidiu concorrer ele mesmo, e elegeu-se deputado distrital pelo nanico Partido Humanista da Solidariedade (PHS), com expressiva votação na cidade.
Para Lira, esta foi a terceira grande vitória de sua vida – a primeira foi vir para Brasília escapando das águas do rio Piranhas e a outra evitar que São Sebastião fosse inundada pelo São Bartolomeu. Agora ele cuida da cidade como quem zela da própria casa. É o responsável pela indicação do administrador Jean Duarte de Carvalho e acompanha diariamente os acontecimentos, procurando destinar recursos para as obras mais importantes da cidade.
Destinou R$ 500 mil das emendas parlamentares a quem tem direito para a conclusão da duplicação da pista que liga São Sebastião aos condomínios, na saída para o Lago Sul e o Plano Piloto, que teve um custo total de R$ 7,6 milhões. Na quarta-feira (18), participou da cerimônia de entrega das primeiras escrituras aos 1.500 empreendedores que receberam lotes na Área de Desenvolvimento Econômico (ADE) de São Sebastião, ao lado do governador Rodrigo Rollemberg e de outras autoridades.
Hoje Deputado Lira continua sonhando alto. Aposta que a Região Leste, onde está cravada a cidade que representa, é o novo eixo do desenvolvimento do Distrito Federal. Mesmo sem querer matar a tradição da antiga Agrovila, cuja economia era baseada na produção de pequenas olarias, fábricas de pré-moldados, artesanato, costureiras e serralherias, ele atua para criar, às margens da BR-251, que liga o DF a Unaí (MG), o que seria uma Zona Franca semelhante à existente em Manaus (AM), e ampliar para 200 mil pessoas a capacidade do Parque de Exposições, que atualmente é de 40 mil pessoas.
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A praga
Lira não vacila em apontar a grilagem de terras como a grande praga que atinge o Distrito Federal como um todo e São Sebastião em especial. Para não comprometer o futuro do que chama de “a bola da vez do desenvolvimento do DF”, ele cobra fiscalização rigorosa por parte do governo e investimentos pesados na infraestrutura de bairros como Alphaville, Crichá, Dama, Jardins Parque Brasília, Tororó e a futura cidade Santa Prisca, que poderá abrigar até 800 mil moradores.
“O homem é um cosmo em miniatura. Como integrantes desse grande universo, precisamos cuidar cada um do espaço onde estamos inseridos”, ensina Lira, que também é um estudioso da Astronomia, a ponto de ter batizado a própria filha, que tem 17 anos, de Paloma Klerner, em homenagem a um pequeno planeta que não faz parte de nosso sistema solar. E encerra a conversa recitando um adágio nordestino: “seu eu contar a minha história para um jegue, chora ele, chora eu”.
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