A Defensoria Pública da União emitiu nota técnica em que recomenda a remoção de homenagens a escravocratas, racistas e eugenistas em monumentos e locais públicos. O documento, elaborado pelo Grupo de Trabalho de Políticas Etnorraciais da DPU, defende a medida como “reparação histórica à população negra”.
A iniciativa foi tomada após uma ação popular em tramitação na Justiça de São Luís (MA), que discute uma homenagem concedida ao psiquiatra Raimundo Nina Rodrigues, defensor de uma visão de patologização dos crimes.
O grupo de trabalho da DPU cita controvérsias envolvendo ideias racistas e eugenistas adotadas pelo médico, especialmente em relação à criminalização e estigmatização da população negra e indígena. “A eleição do pensamento racial e eugenista não foi algo acidental em sua obra. Foi a base sobre a qual ergueu toda a sua doutrina”, diz trecho do documento.
REPARAÇÃO – Para a pedagoga Iêda Leal de Souza, integrante do Movimento Negro Unificado, a proposta é que seja feita uma reparação histórica. “O que ele (Rodrigues) fez e estudou abalou a humanidade de um grupo racial, vítima da escravidão. O que a Defensoria faz é recuperar a história, por uma boa memória”, afirma.
Ela considera importante saber o papel de personalidades como Nina Rodrigues de maneira crítica. “Não é retirar, jogar fora. É colocar no lugar certo, garantir a verdade. Ou seja, apontar quem são esses falsos herois”.
MEMÓRIA – A nota da DPU defende que a retirada do nome de pessoas associadas ao escravismo, racismo e eugenia pretende estimular a lembrança, e não o esquecimento. “A justiça de transição de nenhuma forma pretende apagar o passado. Muito pelo contrário, o que se quer é redescobrir o que até aqui foi negado enquanto memória da violação aos direitos humanos”, cita a nota técnica.
O documento utiliza o conceito de justiça de transição, normalmente aplicado a regimes autoritários. “Se uma homenagem prestada em espaços públicos carrega um caráter simbólico, sua retirada consegue ter efeito reverso. O Estado brasileiro, na atual configuração democrática, não compactua com a manutenção de deferências carregadas de violência contra grupos vulnerabilizados”.
Racismo estrutural
Para Jacque Cipriany, advogada e articuladora da Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio, o elemento principal é reconhecer que vivemos numa sociedade estruturalmente racista. “Se a gente entender que essa questão é muito mais profunda, a gente tem uma concepção maior dos malefícios de atos racistas nessa sociedade. Com homenagens a racistas, você só enaltece o racismo”, alerta.