Ary Filgueiras (*)
Setecentos dias depois de ver a própria índole e a do seu marido jogada na lama por gente que deveria fazer justamente o contrário do ato de apontar o dedo e condenar sem dar ao menos chance de defesa ao casal, Sheyla Kelyy Morais resolveu falar ao Brasília Capital. O jornal e o portal www.bsbcapital.com.br vêm divulgando uma série de reportagens sobre misoginia na Igreja Presbiteriana do Lago Sul (IPLS), crime do qual ela não é a única vítima.
Nesta reportagem, consta ainda a entrevista da advogada do pastor Marcelo de Oliveira Morais, Melanie Costa Peixoto, que também foi tratada pelos religiosos do templo com discriminação pelo fato de ser mulher.
Marcelo e Sheyla foram levados ao banco dos réus do Tribunal Eclesiástico por darem mais espaço às mulheres na igreja. Ele, inclusive, foi afastado de sua função de pastor por promover um congresso destinado ao público feminino, evento em que Sheyla foi acusada pelo diácono Alberto Jaegher de descumprir uma resolução interna, de 2018, que proíbe a mulher de falar em púlpito ou pregar a palavra de Deus transcrita nas Escrituras Sagradas.
Com 25 anos de retidão à igreja, Sheyla faz uma confissão: “Com essa resolução de 2018, a mulher foi proibida de exercer qualquer liderança dentro da igreja. Principalmente se ela abrir a Bíblia para dizer alguma coisa”.
Ela diz que foi relatora da Sociedade Interna Feminina da Igreja Presbiteriana do Brasil (SAF), que faz evangelismo, cuida de mulheres e crianças. E garante que, apesar da IPB não ordenar mulheres como pastoras, nunca proibiu que a mulher alguma atividade de liderança dentro da igreja. Desde que não tomasse o púlpito e pregasse, o que viria a mudar com a resolução.
Jezabel – Foi justamente por conversar com as outras mulheres da igreja que o diácono Alberto a acusou de descumprir a norma, chegando a compará-la a uma figura que ela mesma julga ser “horrível”: Jezabel, conhecida como uma prostituta cultural, que pregava dentro da igreja a sexualidade, coisas contrárias a Deus.
“Quando li o documento no qual ele faz essa comparação fiquei chocada. Ele disse que eu ministrava sobre homens, mulheres e crianças e que a única mulher na Bíblia que se comportava daquela forma chamava-se Jezabel. Ele cita o texto de Apocalipse Dois em que Deus é muito duro com a igreja que permitia a prática de Jezabel. Ele diz assim: ‘Eu virei sobre Jezabel, exterminarei Jezabel e matarei os seus filhos’. Mexeu com a minha dignidade”, desaba.
Inocência do marido
Mesmo há tanto tempo afastada da igreja, ela reitera a sua inocência e a do marido perante o Tribunal Eclesiástico: “Meu marido não fez nada em desobediência. Mas, por causa de um grupo que consideramos ser misógino, eles deixaram o congresso acontecer para logo depois acusarem meu marido de ceder o púlpito para uma pastora pregar. Mas nem pastora ela era. Ela era uma missionária falando para as mulheres”.
Ela diz que se sente humilhada e desonrada diante do silêncio das lideranças da Igreja Presbiteriana para o seu caso de vítima de misoginia praticada por líderes daquela denominação. “Em nenhum momento eu fui procurada por eles para saber como eu me sinto”, lamenta.
“Infelizmente, eu me deparei com uma igreja em que eu me sentia rejeitada pelos homens, que me proibiam de fazer uma única oração. A misoginia da IPLS faz com que eles fechem os olhos e digam que nós somos contrários à doutrina, o que não é verdade. Somos contra a imposição mantida sobre as mulheres para que elas não falem, não se manifestem”, reprova.
Advogada também foi discriminada
Os casos de tratamento diferente às mulheres que congregam na IPLS ocorrem em todas as esferas. Até a advogada de Marcelo Morais sofreu desse mal que ainda persiste em permear nossa sociedade.
Aliás, esse foi o motivo de a advogada Melanie Costa Peixoto deixar a igreja: as limitações impostas às mulheres. “As mulheres só poderiam falar se fossem para outras mulheres e a respeito de problemas de mulheres em relação ao casamento. Isso era um limitador da minha fé. Hoje eu congrego na Igreja Batista, onde se aceitam mulheres”.
Mas, em virtude do vínculo com a Igreja Presbiteriana, pois o pai dela é presbítero emérito do Lago Sul, continuou ligada à EPLS, mas como advogada. Ela disse, porém, que foi o papel mais difícil que teve na carreira.
“Eu pude observar que a resistência a mim não era pelo fato de eu não possuir um cargo na igreja, sim porque eu sou mulher”, revela. O ápice dessa constatação foi numa audiência do Tribunal Eclesiástico no caso da acusação contra o pastor Marcelo Morais, marido de Sheyla.
“Eu apresentei um documento aos juízes do tribunal pedindo adiamento do depoimento do pastor para depois da oitiva das testemunhas. Porque ele precisa saber o que elas falaram para se manifestar. A ordem estava invertida. Mas eles sequer aceitaram e nem deram explicação”, detalha Melanie.
A banca de defesa de Marcelo era composta ainda por outro advogado. “Cinco minutos depois de o presidente do tribunal recusar a petição, o advogado que trabalha no caso comigo pegou o mesmo documento e apresentou para o mesmo presidente do tribunal. E ele aceitou o documento com o pedido”, afirma a defensora.
Agressões – Mas esse não foi o único fato que comprovaria a misoginia do tribunal, composto somente por homens. “Na mesma audiência, os juízes gritaram comigo, perguntado o que ‘essa mulher faz entre nós. Eu sabia que havia as agressões na igreja, mas só pude presenciá-las naquele dia em que fui vítima”, lamenta.
Quem cala, consente
Esta já é a terceira reportagem sobre o assunto. Até agora, os líderes da Igreja Presbiteriana do Lago Sul não tocaram no assunto. Nem responderam ao nosso e-mail ou retornaram às ligações que fizemos a eles. O que só reforça a tese de que, quem cala, consente. Nesse caso, consente a misoginia dentro da igreja.
(*) Especial para o Brasília Capital