O fim da obrigatoriedade do pagamento do imposto sindical – um dia de salário por ano dos trabalhadores – pode representar a desarticulação de várias entidades representantes dos trabalhadores. “Vai atingir em cheio os sindicatos de luta”, diz o deputado distrital Chico Vigilante (PT), que já foi presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) no Distrito Federal.
Essa medida, porém, coloca novamente o Sistema S na ordem o dia. São 11 instituições ligadas aos empresários do comércio e indústria, como Sesc, Senai, Sesi, Senac, que têm um sistema de arrecadação direta, sem nenhuma forma de controle por órgãos governamentais.
No domingo passado (16), o jornal Folha de S. Paulo fez extensa reportagem sobre o que o presidente da Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor do Senado Federal, Ataídes Oliveira (PSDB-TO), chama de “um buraco negro de R$ 30 bilhões”. A forma de arrecadação do Sistema S, que impede também a transparência gera enorme controvérsia jurídica.
O colunista Celso Ming, do jornal O Estado de S. Paulo, dedicou um de seus textos “à Caixa-Preta do Sistema S”. Ele acentuou, na abertura do artigo, que “a reforma trabalhista deixou intacta a dinheirama que os sindicatos empresarias usam como bem entendem”. Ming usou afirmação do senador Ataídes Oliveira para apontar o que pode estar acontecendo: “O Sistema S é um caso de desvio de recursos públicos maior do que o da Petrobrás”.
Muito dinheiro e poder vitalício
A gerência de grande volume de dinheiro provoca ainda outras distorções, como a perpetuação de dirigentes no comando e ingerência política que eles passam a ter. “Alguns dirigentes dessas entidades são mais poderosos do que muitos políticos. Há um silêncio que protege o sistema”, resume o deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ). Ele relata que, na Constituinte de 1988, começou a tentar mexer no modelo e que, já naquela época, o poderoso lobby empresarial no Congresso impediu.
Crítico contumaz da contribuição compulsória e da arrecadação direta, que define como “crime”, o senador Ataídes Oliveira reclama também que o dinheiro do Sistema S, mesmo sendo um tributo e tendo destinação social, não entre no Orçamento da União. Ele apresentou duas emendas ao projeto de LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) para 2018 propondo incluir as receitas do Sistema S na LOA (Lei Orçamentária Anual) e aprimorar as regras de transparência das entidades, mas ambas foram rejeitadas.
Oliveira também apresentou emenda ao projeto da reforma trabalhista para acabar com a obrigatoriedade da contribuição. Como de costume, a proposta não prosperou. E verifica-se, nos últimos anos, o inverso. Para atender a interesses de outras indústrias e setores que pleiteavam recursos do sistema, o escopo da contribuição cresceu, e hoje o Sistema S contempla transportes (Sest e Senat), micro e pequenas empresas (Sebrae), setor rural (Senar), cooperativismo (Sescoop), exportação (Apex) e desenvolvimento (ABDI).
A Folha de S. Paulo utiliza o termo “semipúblico” ao se referir à quantidade de dinheiro livre de fiscalização e controle. Esse dinheiro, conhecido por contribuição compulsória ou contribuição social − tem amparo em legislação dos anos 1940, no Governo Vargas, e corresponde a um percentual da folha de pagamento de empresas de vários setores. Conforme o setor, o percentual varia de 0,2% a 2,5% sobre o montante da remuneração paga aos empregados.
O colunista Celso Ming bate também nesta tecla: “O Tribunal de Contas da União verificou que 83% das entidades do setor não possuem auditoria interna e 78% não são dotadas de conselho fiscal”. Para o economista e presidente do Insper – instituição de pesquisa em São Paulo −, Marcos Lisboa, a forma de seguir critérios de transparência é garantir a fiscalização dos balanços por auditores independentes. “A população paga um imposto a entidades privadas que usam os recursos sem prestar contas a ninguém”.
Dirigentes perpétuos
A contribuição compulsória é defendida com fervor pelos dirigentes do setor, que em geral se perpetuam nesses cargos, noticia a Folha. Em São Paulo, Abram Szajman está há mais de 30 anos no comando da Fecomércio, e Paulo Skaf, que deverá ser reeleito para mais um mandato como presidente da Fiesp (até 2021) − é candidato único na eleição marcada para agosto − poderá ficar no cargo por pelo menos 17 anos.
Em nível nacional, Antônio Oliveira Santos preside a Confederação Nacional do Comércio (CNC), há 38 anos. Sem controle do Estado sobre a inadimplência de Sesi e Senai, nada impede que um dirigente perdoe dívidas de filiados, por exemplo, com a contribuição, em troca de apoio político em eleições.
Em Brasília, Adelmir Santana (foto), presidente da Fecomércio-DF, completará, em 2018, 16 anos no cargo e também no comando do Sesc. Para ele, está tudo dentro da legalidade, porque o estatuto interno da entidade permite reeleições sucessivas. E, provalmente, Adelmir ganhará mais um mandato no próximo ano, já que é bem articulado com os sindicatos patronais e a maioria dos presidentes das entidades que compõem o colégio eleitoral tem compromisso com ele.