DW Brasil: A CUT é contra a reforma trabalhista proposta pelo governo do presidente Michel Temer. Por quê?
Vagner Freitas: Essa proposta não é para modernizar as relações de trabalho, não é para melhorar a qualidade dos serviços prestados à população. É simplesmente para tirar direitos trabalhistas conquistados ao longo dos anos. O governo parte do princípio de que o trabalhador, no Brasil, custa caro para a empresa e quer simplesmente baratear o custo do trabalho para a empresa. Para isso, precariza as relações de trabalho. Acaba com a jornada diária regulada, acaba com o contrato anual de trabalho e cria, no lugar, o contrário temporário. Por quê? O trabalhador temporário não tem os mesmos direitos que tem o trabalhador anual. Acaba com a Consolidação das Leis Trabalhistas, a CLT. Parte do seguinte princípio: agora fica zerado e só terão os direitos negociados num acordo salarial. Para ter direitos, o trabalhador terá que conquistar isso na campanha de negociação.
Diferentemente da Alemanha, aqui no Brasil não há condições iguais entre patrões e empregados para a negociação coletiva. Os sindicatos não podem atuar dentro do local de trabalho. Não há estabilidade de emprego. E o Brasil vive uma crise econômica e social monstruosa, com quase 20% da população economicamente ativa desempregada. Como é que você vai fazer negociação, neste momento, favorável ao empregador? Há um exército de desempregados. O empregador pode, simplesmente, contratá-los por um valor muito menor do que os que estão empregados. Neste contexto social do Brasil, de um governo que nem foi eleito, um país em que os presos são decapitados nas prisões, as polícias fazem greve, a taxa de desemprego é enorme, como vamos modernizar a relação trabalhista, a livre negociação, com a economia morta?
O que esse governo golpista quer fazer é se aproveitar do momento para acabar com todos os direitos trabalhistas. Parte do princípio que pagar menos pela mão de obra vai tornar o Brasil competitivo no mercado internacional. Ledo engano. Em todos os países em que isso aconteceu, como México e Chile, tiveram que reativar a proteção ao trabalho e ao emprego porque você acaba com a qualidade do produto no final.
DW Brasil: E qual sua opinião sobre o trabalho temporário?
VF: O que eles estão propondo é um absurdo. Hoje já existe a regularização do trabalho temporário. Pode haver 90 dias de trabalho temporário. E o que o governo quer fazer? Passar de 90 dias para 120 dias, prorrogáveis. Quer dizer que o trabalhador poderá trabalhar oito meses do ano em regime de contratação temporária. O que significa isso? Ele não terá direito ao aviso prévio, à multa de 40% do FGTS, por tempo de serviço, às parcelas do seguro-desemprego. Ou seja, o trabalho temporário é precarizar o trabalho. Eles estão mentindo ao dizer que isso vai gerar emprego. O que é gerar emprego? É demitir um trabalhador que ganha R$ 1.000, numa jornada de 44 horas, com carteira de trabalho assinada, com direito a férias. Você demite e contrata três no lugar, que vão trabalhar 48 horas semanais, sem férias, sem décimo-terceiro salário, sem garantias consolidadas na lei. Isso não é modernizar o mercado de trabalho. É precarizar. Você contrata para pagar menos, trabalhar mais, e pior.
DW Brasil: Mas há um debate mundial sobre novas relações de trabalho. A CLT é de 1943. A CUT tem uma visão sobre aspectos que precisariam de fato ser revistos nas relações de trabalho, até por conta dos avanços tecnológicos, internet, entre outros?
VF: Sim. Quando a CUT foi criada, em 1984, nós já falávamos sobre a necessidade de uma reformulação da CLT. O mercado de trabalho no Brasil hoje não é igual ao mercado de 50 anos atrás.
Agora, o questionamento que eu tenho feito é por que no governo Lula, que foi eleito com ampla maioria da população, o empresariado não quis fazer nenhuma reformulação na CLT? Porque naquele momento havia uma correlação de forças mais paritária entre trabalhadores e empregadores. Acordo para modernizar relações de trabalho você só faz em momento de sucesso, de desenvolvimento, onde você tem o que pactuar e o que negociar. No caos social e econômico em que vivemos no Brasil, hoje os trabalhadores não têm o que negociar nem o que ceder. Eles não querem modernizar a CLT. Querem acabar com todos os direitos.
DW Brasil: O senhor poderia citar algum item da CLT que deveria ser modernizado?
VF: Deveríamos, por exemplo, discutir a questão da parte sindical da CLT, em que diz que os sindicatos devem ser organizados por categoria. Nós achamos que deve ser por ramo de atividade. Aqui os sindicatos são corporativos. Nós achamos que deveriam ser sindicatos livres, como na Alemanha, que acontecessem a partir da vontade do trabalhador. E que não fossem uma imposição do Estado. Os sindicatos devem ser mantidos apenas com os recursos gerados pelo próprio trabalhador, e não devem ser mantidos com o dinheiro do imposto sindical.
Não tocam nisso aqui porque há os sindicatos patronais, e eles também recebem.
Hoje temos pessoas trabalhando em grandes concentrações, numa única fábrica, mas daqui a 30 anos não haverá isso, os trabalhadores estarão trabalhando em casa, no computador. Nós queremos discutir isso, fazer esse debate. Mas o que não há, hoje, é credibilidade para fazer um processo de negociação.
Os empresários no Brasil sonegam, não pagam tributos. Mas eles vendem a ideia de que todo o problema do Brasil é o custo da mão de obra. Qual a política industrial deste governo? Qual a política de recuperação dos empregos na indústria? Esse governo está acabando com a indústria nacional. No Brasil, hoje, você pode ser demitido na hora do almoço. E isso faz com que a qualidade final do produto seja prejudicada. Nada disso está sendo debatido.