É comum que o debate sobre reformas de Estado, no Brasil, se fixe na crítica aos servidores públicos, como agora, no que diz respeito à Reforma Administrativa (PEC 32/2020). Na campanha de desinformação promovida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, para encaminhar às pressas (em plena pandemia) o texto à votação na Câmara dos Deputados, o serviço público é alvo recorrente de ataques.
Na terça-feira, em audiência na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) sobre a proposta, novamente o economista voltou a criticar o funcionalismo, ao dizer que “servidores são militantes”. Ainda segundo ele, alguns têm “20 carros”. Ataques que, no mínimo, são rasteiros e não levam em consideração, sequer, o fato de que o funcionalismo público promove a vida social e os direitos constitucionais dos cidadãos. Vamos adiante.
Um dos principais exemplos do que citei acima vem da área de saúde. Você já se perguntou como seria o combate à covid-19 sem o Sistema Único de Saúde (SUS)? Respondo: o caos. Ainda com a vacinação a passos lentos, enquanto outros países, como os EUA, correm para imunizar seus cidadãos, sem o serviço público – e seus servidores -, certamente o Brasil teria perdido mais pessoas para a doença.
Dito isso, volto à pauta da PEC 32/2020. O alvo da dita “reforma” é o servidor público. Isso já ficou claro. E o argumento é “cortar privilégios”. De quem? Porque, entre outros pontos questionáveis, o projeto enfraquece a relação de trabalho dos servidores com o Estado. Se aprovado, a qualidade de serviços essenciais, como saúde e educação, por exemplo, será prejudicada. Isso porque, de forma bem resumida, o texto propõe o fim Regime Jurídico Único (RJU). Trocando em miúdos, a ideia é acabar com a estabilidade dos servidores.
Aqui, é importante deixar claro. Essa estabilidade, garanto, não existe para que os servidores comprem 20 carros, como sugeriu o ministro da Economia. A estabilidade do serviço público garante que o servidor sirva às políticas públicas do País e não a este ou aquele governo.
A estabilidade é o extremo oposto dos chamados “cabides de emprego”. O que, aliás, deverá ter espaço garantido nos órgãos públicos caso a proposta seja aprovada, já que ela pretende flexibilizar contratos com o setor privado e ampliar o poder do Executivo sobre cargos públicos, sem aprovação do Congresso.
Em 2019, quando o assunto “Reforma Administrativa” veio, de fato, à tona, escrevi afirmando que, “para o Estado evoluir, o servidor tem de ser valorizado”. Hoje, novamente, reafirmo. Não acredito em reforma alguma que não tenha a população, em especial os mais vulneráveis, como foco principal de melhorias.
O mote para o texto apresentado é “cortar privilégios”, o que, paradoxalmente, não ocorre na prática. Os que deveriam ter seus privilégios cortados não serão tocados nesta reforma. Temo que, se aprovado, o texto dê aval para funcionários apadrinhados e para a precarização nas formas de contratação.
A proposta debatida hoje não vai melhorar a economia, não ajudará no enfrentamento da crise. Os servidores estão longe de serem os responsáveis pela sobrecarga do orçamento. Antes de falar em reformar o Estado, culpando o funcionalismo público, há de se tratar da diminuição da desigualdade social, da retomada de empregos e do incentivo fiscal. Com o projeto que se apresenta, garanto, não é a população quem ganha.