A rápida recuperação do presidente Jair Bolsonaro à contaminação pelo novo coronavírus, confirmada por ele próprio nesta terça-feira (7), foge aos padrões de outros pacientes acometidos pela covid-19. Bolsonaro cumpriu
agenda intensa no fim de semana (confira abaixo), disse ter sentido os primeiros sintomas no domingo e apresentou febre e dores musculares na segunda-feira, quando submeteu-se a exames no Hospital das Forças Armadas (HFA), em Brasília.
Logo após confirmar que testou positivo para a covid, Bolsonaro pediu aos repórteres que se afastassem, deu alguns passos para trás e tirou a máscara, para mostrar que estava bem. E informou que está se tratando com
hidroxicloroquina. Neste ponto, médicos e pessoas acometidas pelo novo coronavírus acendem o alerta.
“Não há nenhuma evidência de que esse remédio cure a doença”, afirma um infectologista que atua num hospital público do Distrito Federal. “O terceiro dia é um dos piores, após o início dos sintomas”, relata um policial civil aposentado, de 58 anos, que se curou após três semanas de tratamento com antibiótico e isolamento social.
Outro aspecto é que Bolsonaro teve vários compromissos públicos – a maioria sem usar máscara – e não recomendou às pessoas, inclusive ministros de seu governo, que fizessem testes para covid-19. O embaixador
norte-americano, Todd Chapman, com quem o presidente esteve no sábado (4), anunciou que não tem o vírus.
Confira os encontros de Bolsonaro nas 72 horas que antecederam a coleta do material que resultou em positivo para a covid-19:
Sexta-feira (3) – Reuniões os ministros da Casa Civil, general Braga Netto; do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho; e o presidente da Fiesp, Paulo Skaf.
Sábado (4) – Reunião com o embaixador dos EUA, Todd Chapman, acompanhado de Lorenzo Harris, adido de Defesa dos EUA; so general Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo; Fernando Azevedo e Silva, ministro da Defesa; Ernesto Araújo, das Relações Exteriores; general Braga Netto, da Casa Civil; Flávio Rocha, secretário especial de Assuntos Estratégicos da Presidência; w o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP),
filho de Bolsonaro.
Domingo (5) – Passou o dia com a família. A primeira-dama Michelle Bolsonaro fez o exame para covid-19 nesta terça-feira. Os demais parentes também farão o teste.
Segunda-feira (6) – Antes de ir ao HFA, Bolsonaro se encontrou com os ministros Paulo Guedes, da Economia, Braga Netto, da Casa Civil, Jorge Oliveira, da Secretaria-Geral, Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, e José Levi Mello, da Advocacia-Geral da União. Também recebeu, no Palácio do Planalto, o presidente do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), Marcos Heleno Guerson de Oliveira Junior, o vice-
presidente da NTC&Logística, Roberto Mira, e o secretário especial da Cultura, Mário Frias.
Reuters – A agência de notícias Reuters, a maior do mundo, destacou a declaração de Bolsonaro de que “todo mundo sabia que ele (vírus) mais cedo ou mais tarde iria atingir uma parte considerável da população, como tem muita gente… eu, por exemplo, se eu não tivesse feito o exame não saberia do resultado, e ele acabou de dar positivo”. E ressaltou: “Bolsonaro também fez questão de informar que já havia começado a tomar hidroxicloroquina, medicamente que não tem comprovação de eficácia contra a covid-19, mas é defendido pelo presidente”.
Ainda na manhã de terça-feira, o presidente afirmou à CNN Brasil que está afebril e que tomou preventivamente a segunda dose de hidroxicloroquina na madrugada, por conta da suspeita de coronavírus. Na véspera, ele disse
que tinha febre de 38º. “A febre baixou e estou me sentindo muito bem. Estou afim de trabalhar, estou me sentindo bem, tenho obra para inaugurar no país”.
Em conversa com apoiadores na entrada do Palácio da Alvorada, na segunda-feira à noite, Bolsonaro comentou que, além do exame para a covid-19, fez uma ressonância magnética dos pulmões. De acordo com o chefe do Executivo, os níveis de oxigenação do sangue dele estão
em 96% e “está tudo bem”.
Histeria – Desde que o primeiro caso de um paciente com covid-19 foi confirmado no Brasil, Bolsonaro minimiza e relativiza a gravidade do novo coronávirus. Chamou a doença de “gripezinha”, caracterizou medidas de
governadores para conter a disseminação como “histeria”, disse que o coronavírus estava sendo “superdimensionado” e que a mídia propagava “fantasias”.
“Durante o ano que se passou, obviamente, temos
momentos de crise. Muito do que tem ali é muito mais fantasia, a questão do coronavírus, que não é isso tudo que a grande mídia propaga. Alguns da imprensa conseguiram fazer de uma crise a queda do preço do petróleo”, disse o presidente no dia 9 de março, em entrevista à imprensa.
“A questão do coronavírus também que, no meu entender, está superdimensionado, o poder destruidor desse vírus. Então talvez esteja sendo potencializado até por questão econômica, mas acredito que o Brasil, não é que vai dar certo, já deu certo — declarou durante um encontro com
a comunidade brasileira em Miami, no dia 9 de março. “Não vou viver preso dentro do Alvorada. Se eu resolvi apertar a mão do povo, é um direito meu, eu vim do povo. Tenho obrigação de saudar o povo”, afirmou no dia 16 de março em entrevista à Rádio Bandeirante, após descer a
rampa do Palácio do Planalto para cumprimentar apoiadores que participaram da manifestação a favor do governo e contra o Congresso e o Judiciário.
“Se eu me contaminei, tá certo? Olha, isso é responsabilidade minha, ninguém tem nada a ver com isso”, disse o presidente, no dia 16 de março, após ser questionado sobre cumprimentos à apoiadores no Planalto. “Esse vírus trouxe uma certa histeria e alguns governadores, no meu entender, eu posso até estar errado, estão tomando medidas que vão prejudicar e muito a nossa economia”, em entrevista à “Rádio Tupi”, em 17 de março.
— Depois da facada, não vai ser uma gripezinha que vai me derrubar — afirmou Bolsonaro, referindo-se à facada que recebeu durante a campanha presidencial em 2018, em entrevista coletiva no dia 18 de março.
“Vão morrer alguns pelo vírus? Sim, vão morrer. Se tiver um com deficiência, pegou no contrapé, eu lamento”. Afirmou ainda que é preciso “alongar a curva da contaminação” para atender aos idosos, mas avaliou que é inevitável a morte de pessoas nos considerados grupos de risco”. Declaração dada no dia 21 de março em entrevista ao “Programa do Ratinho”.
“É uma questão grave, mas não podemos entrar no campo da histeria”, ao responder, no dia 22 de março, pergunta sobre o que o governo federal estava fazendo contra o desabastecimento de alimentos e produtos nas
cidades, em entrevista para a TV Record.
“O número de pessoas que morreram de H1N1 foi mais de 800 pessoas. A previsão é não chegar aí a essa quantidade de óbitos no tocante ao coronavírus”, no dia 22 de março, ao se referir ao surto de H1N1, ocorrido em 2009.
Agora, com a divulgação de que testou positivo para a covid-19 e a informação de que está tomando hidroxicloroquina preventivamente, Bolsonaro, caso não chegue às fases mais graves da doença, se tornará o garoto propaganda ideal para o remédio que – insistem os médicos e a Organização Mundial da Saúde (OMS) – não tem eficácia científica confirmada para o combate ao novo coronavírus.