(*) Profa. Fátima Sousa
Os recentes resultados das eleições nos Estados Unidos e nas capitais brasileiras oferecem importantes lições ao campo democrático, ressaltando a urgência de uma reflexão sobre a reinvenção e a reaproximação com a população. Embora alguns insistam que Lula não se assemelha a Kamala Harris e que Bolsonaro não é um Donald Trump, não podemos, nem devemos, transferir diretamente as dinâmicas políticas dos EUA para o Brasil, nem nos responsabilizar pela vitória do republicano ou pelo crescimento do centrão. Esses fenômenos acendem um sinal de alerta para os progressistas e defensores da democracia.
É imperativo que a esquerda reoriente suas estratégias à luz das lições que a sociedade tem nos ensinado nas últimas décadas. A administração política baseada em imagens e aparências nas redes sociais alimenta vaidades, sem, de fato, aliviar as dificuldades que a população enfrenta, como o acesso à saúde, educação, transporte, alimentação e segurança.
Precisamos (re)aprender a interpretar o mundo ao nosso redor, pois as comunidades vulneráveis clamam por solidariedade política e empatia humana. A juventude anseia por nos conhecer através dos significados que atribuímos aos sonhos contemporâneos. Em minha experiência como educadora, percebo que a comunicação evoluiu; não se limita mais a palavras, mas se expressa também através de vestuário, gestos e nuances que “falam mais que mil palavras”.
Historicamente, as práticas de política de base, que envolviam um contato contínuo e direto com as comunidades, foram se esvaindo, especialmente com a ascensão das tecnologias digitais de informação e comunicação. As interações que antes ocorriam em praças, centros comunitários e reuniões de bairro foram substituídas por estratégias digitais que carecem da profundidade do diálogo presencial. Embora essa transição facilite a disseminação de ideias, também provoca um distanciamento físico e emocional entre as lideranças e a população, comprometendo a participação popular. O fortalecimento do campo democrático e progressista agora enfrenta o desafio de se adaptar às novas tecnologias sem perder a conexão com as necessidades locais, além de lidar com os efeitos da desinformação.
A apresentação de candidatos para as eleições de 2026 sugere que nossas lutas estão restritas apenas às urnas, que, embora essenciais em democracias representativas, são limitantes em relação às mobilizações nas ruas e nas comunidades, que buscam a conquista dos direitos de cidadania. A promoção de “lideranças” muitas vezes desconectadas das reais demandas do Distrito Federal e do Brasil já nos mostrou suas consequências: frequentemente, saímos perdendo. O DF não pode ignorar o desespero que ressoa entre os jovens, cada vez mais desmotivados e desencantados com o futuro que lhes é apresentado. É nossa responsabilidade ampliar as narrativas que os reconectem com seus sonhos.
Para revitalizar a participação popular, o campo progressista deve equilibrar o uso das tecnologias com a recuperação das práticas tradicionais de política de base. A criação de “círculos de participação híbrida”, que combinem reuniões presenciais em espaços comunitários com transmissões ao vivo e fóruns online, pode abrir novos caminhos para o debate e a construção de demandas. Além disso, investir em programas de capacitação digital para lideranças e jovens é essencial para fortalecer o engajamento, garantindo que a tecnologia sirva à inclusão e não à alienação. Esse modelo colaborativo e acessível permitiria que a população se sentisse novamente representada e ouvida, restabelecendo os laços entre o campo progressista e o povo.
Não podemos ignorar o crescente movimento da extrema direita, que se estrutura organicamente e se faz ouvir não apenas na agenda econômica, mas também nas esferas cultural e social, especialmente entre mulheres e jovens, oferecendo cursos e criando fundações de pensamento conservador. Enquanto isso, permanecemos parados diante do sinal vermelho, esquecendo da importância de estar presente na vida cotidiana do povo.
A lógica do “dever de casa” na Economia pode excluir os mais pobres da partilha da riqueza que eles mesmos ajudam a produzir. O trabalho em prol do DF, da região e do país não se traduz em retorno para muitos, e isso gera um desencanto com os governos progressistas e democráticos, que continuam a priorizar o mercado – uma abordagem que limita o acesso a recursos essenciais como comida, água, transporte e saúde, além de fragilizar os direitos trabalhistas. Ignorar os direitos humanos e sociais é um caminho sem volta, e nossa história exige coerência.
Devemos construir um projeto que reposicione o DF como uma cidade saudável e sustentável, livre da arrogância e de planejamentos míopes e emergenciais. Nesse diálogo, é fundamental incluir todos que desejam pensar e agir de forma colaborativa e responsável, trazendo conhecimento e resiliência para desenvolver um projeto viável que atenda às aspirações e desafios da região e do Brasil.
Esta é uma oportunidade e uma necessidade premente. Avancemos ouvindo atentamente as vozes do povo e priorizando suas reais necessidades. A reconexão com a população não é apenas um imperativo, mas uma questão de sobrevivência para o campo democrático, progressista e popular.
(*) Professora associada do Departamento de Saúde Coletiva e ex-diretora da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília.