A inserção na pauta de votação da Câmara dos Deputados, em regime de urgência, do PL 5.595/2020, de autoria das deputadas Paula Belmonte (Cidadania/DF) e Adriana Ventura (Novo/SP), revela uma atitude intempestiva e inoportuna do presidente daquela Casa Legislativa sob vários aspectos. Em primeiro lugar, demonstra a adesão da Câmara ao negacionismo expresso diariamente pelo governo federal no enfrentamento da pandemia.
Sobre o projeto, salta aos olhos sua antijuridicidade, que desconsidera outras legislações que tratam de atividades essenciais do Estado, especialmente a Lei 13.979, que “dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019”; a Lei 7.783/89, que trata sobre “o exercício do direito de greve, define as atividades essenciais e regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade”; além do decreto 10.282/20, que “regulamenta a Lei 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, para definir os serviços públicos e as atividades essenciais”.
O País possui legislações específicas que tratam de atividades essenciais e que não são consideradas pelo PL 5.595/20. Tal situação converge para um cenário de grave antinomia legal. Além de atentar contra direitos constitucionais, como à greve e à vida! As escolas brasileiras (públicas e privadas) reúnem cerca de 50 milhões de estudantes e mais de 5 milhões de profissionais – cerca de ¼ (um quarto) da população nacional. Somados aos estudantes e trabalhadores do ensino superior, o contingente de pessoas transitando nas cidades será ainda maior, agravando os níveis já elevadíssimos de contaminação e mortes.
Outra incongruência do PL 5.595/20 refere-se à desconsideração da autonomia administrativa, financeira e pedagógica das universidades públicas, recentemente reiterada e enaltecida em julgamentos do Supremo Tribunal Federal. Mais uma razão para que a proposição seja arquivada, sem análise de mérito, dada a precariedade de sua técnica legislativa.
A pretensa salvaguarda inserida na parte final do art. 2º do PL 5.595/20, ressalvando as atividades presenciais nas escolas quando houver restrições fundamentadas em critérios técnicos e científicos devidamente comprovados, de nada adiantará num cenário pandêmico cada vez mais ideologizado e negacionista. Pior: com governos que não atendem às orientações científicas, com órgãos de controle estatal incentivando disputas políticas locais e com decisões judiciais muitas vezes em conflito nas diversas regiões do País.
Neste momento, falta coerência à Câmara dos Deputados em pautar um projeto que segue na contramão de outro recentemente aprovado pela Casa e pelo Senado. O PL 3.477/20, do deputado Idilvan Alencar e outros, aprovado pelo Congresso e vetado pelo Presidente da República para priorizar o pagamento da dívida pública, “dispõe sobre a garantia de acesso à internet, com fins educacionais, aos alunos e professores da educação básica”.
Através desse importante projeto, os estados e municípios receberiam mais de R$ 3,5 bilhões, em 2021, para investir em equipamentos e internet, garantindo o acesso de todos em aulas remotas durante a pandemia.
Compete ao Congresso Nacional pautar e derrubar com urgência esse veto abominável do presidente Bolsonaro.