Até o início da década de 1990, Vicente Pires era uma colônia agrícola com pouco mais de 200 chácaras, a maioria com 2 hectares (20 mil m²) cada. Seus córregos e inúmeras nascentes serviam para irrigar as plantações dos pequenos produtores do então “cinturão verde” que abastecia as mesas de moradores do Plano Piloto e de outras cidades do Distrito Federal.
Mas a paisagem começou a mudar quando alguns chacareiros passaram a parcelar irregularmente as terras que ocupavam em regime de concessão de uso, criando condomínios e transformando a área rural em urbana. Hoje, apenas 60 propriedades mantêm as características originais. As demais formam uma cidade surgida sem planejamento e que abriga mais de 130 mil habitantes.
Nesses quase 30 anos, o poder público pouco atuou em Vicente Pires, e quando o fez, em geral, foi com ações paliativas. Os moradores adotaram o bordão: “aqui, quando chove, é lama e atoleiro; quando faz sol, é poeira”. Mas esta realidade tende a mudar, pelo menos em parte, já no período de chuvas que se aproxima, com a entrega, pelo Governo do Distrito Federal, das obras de infraestrutura iniciadas em 2015.
O solo pantanoso ou pedregoso da localidade tem requerido muito esforço do GDF para drenar verdadeiros rios que correm no seu subsolo. Remover pedreiras é outra tarefa árdua. Mas é a partir disso que se torna possível levar água encanada, esgoto, redes de águas pluviais, asfaltamento, calçadas e iluminação pública. Portanto, a maior parte do investimento que vai acabar com o suplício que é morar em Vicente Pires virá debaixo do barro do chão, como diz o baião do compositor baiano Gilberto Gil.
Um grande canteiro de obras
O GDF atua num esforço conjunto com empresas privadas para vencer os desafios impostos pela natureza e oferecer uma qualidade de vida melhor aos moradores. Vicente Pires está toda em obras. É a primeira vez, desde o início dos trabalhos, em 2015, que todas as empresas contratadas estão em campo. Somente em 2019 foram executados 18.491 metros quadrados de drenagem e 21.281 metros quadrados de pavimentação asfáltica.
A Secretaria de Obras e Infraestrutura informou ao Brasília Capital que a previsão de término é 2020. O investimento do GDF é de R$ 562 milhões. Desde o início das obras, foram asfaltados 142.413 metros quadrados de ruas e avenidas e 49.843 metros quadrados de condomínios e chácaras. Não há nenhuma empresa pública envolvida nessa construção.
Já ganharam pavimentação, calçadas e meios-fios as ruas 3, 3B, 3C, 4, 4B, 6, 7, 8, 10 – parcial ou integralmente. A Rua 10 é um exemplo de pavimentação. Antes era intransitável durante o período chuvoso. Hoje, com a água do subsolo drenada pelos dutos instalados, a via, uma das mais importantes da cidade, está praticamente toda asfaltada.
Ainda estão pendentes de pavimentação algumas ruas internas, boa parte da Colônia Agrícola Samambaia e condomínios. “Vale ressaltar, no entanto, que a meta do GDF para 2019 foi enfrentar os principais trechos de alagamento e atolamento. Esperamos que no próximo período chuvoso os transtornos enfrentados por comerciantes e moradores sejam bem menores”, diz, em nota, a Secretaria de Obras e Infraestrutura.
Cidades brotam no Cerrado
A população da capital do Brasil está acostumada com os imensos canteiros de obras que se erguem do Cerrado e fazem surgir cidades. Desde 1957 Brasília se organiza e se adequa para acomodar levas de migrantes que vêm para cá em busca de trabalho e melhor qualidade de vida.
Para atender a demanda dessas pessoas por moradia, os sucessivos governos criaram as cidades-satélites. E, embora não tenha sido planejada, Vicente Pires tornou-se uma delas, ganhou autonomia e se tornou a 30ª Região Administrativa do DF em 2009.
Reynaldo Taveira, proprietário da Casa Forte Materiais de Construção, inaugurada em 1999, conta que está muito feliz por ver a cidade ser organizada pelo GDF. “Apesar de ainda haver problemas, Vicente Pires avança no sentido de ser urbanizada, saneada e adquirir os equipamentos públicos que asseguram o bem-estar da população”, comemora.
Obstáculos – Os principais desafios encontrados foram o projeto desatualizado – uma vez que sua versão original data de 2008 – e a continuidade do crescimento desordenado da cidade. Para se ter uma ideia, quando o projeto de urbanização foi licitado, Vicente Pires tinha 75 mil habitantes. Hoje são mais de 130 mil, segundo a Administração Regional.
“Esse crescimento gera a necessidade de atualizações no projeto com as obras em andamento e, consequentemente, atrasos na execução dos serviços”, informa a Secretaria de Obras e Infraestutura. Na opinião de Cristina Braga, gerente da Feira do Produtor, as obras são bem-vindas. Porém, a demora tem prejudicado os comerciantes. “O número de frequentadores caiu pela metade”, afirma.
Ela diz que os clientes reclamam das vias de acesso à feira. “Quando não é a lama, é a poeira”. A meta do GDF para o período de estiagem foi a conclusão de importantes trechos do sistema de drenagem para minimizar impactos causados pelas chuvas. De acordo com a Secretaria de Obras e Infraestrutura, somente neste ano foram executados mais de 18 Km de redes de drenagem.
Fruto do parcelamento do solo
O presidente da Associação de Moradores de Vicente Pires e Região (Amovipe), Gilberto Camargos, diz que, para atender os comerciantes, o GDF não está seguindo a ordenação prevista nos projetos de construção da cidade. Para ele, o atraso nessas obras se deve aos governos anteriores, que nunca se interessaram em efetivamente urbanizar a cidade.
“Vicente Pires é a galinha de ovos de ouro dos aproveitadores. Os governos sempre empurraram essas obras com a barriga para que a cidade permanecesse gerando muito lucro para todo mundo”.
“Desde quanto aqui era colônia agrícola, muitos que vieram para cá nem chacareiros eram. E esse pessoal iniciou, de forma irregular, o parcelamento do solo, obrigando muitos chacareiros a fazer o parcelamento. Esse parcelamento sempre teve a conivência e a participação do poder público. Gente que se aproveitou para obter vantagens pessoais. Nosso maior problema aqui é enfrentar as falcatruas”, afirma.
Ele diz que “o governo fingia que estava derrubando um parcelamento aqui e outro ali, enquanto funcionários públicos ganhavam imóveis em cada parcelamento para fazer vistas grossas. Por isso é considerada a galinha de ovos de ouro”.
Camargos diz ainda que a cidade não é fruto da grilagem e da especulação imobiliária, como ocorre em outras regiões administrativas do DF. “Aqui, a cidade é fruto do parcelamento irregular do solo”, explica.