Valdeci Rodrigues e Zilta Marinho
Professores e oposicionistas levantam-se contra projeto de lei do senador Magno Malta (PR-ES) para inclusão do programa Escola Sem Partido na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Eles entendem que a proposta do parlamentar significa, na verdade, uma mordaça nos professores, impedindo-os de promover o debate de opiniões e ideias em sala de aula.
Em resumo, o senador acredita que somente assim os profissionais do ensino ficariam impedidos, por lei, de aproveitar-se da “condição privilegiada” que têm na vida de seus alunos para difundirem valores morais, sexuais, religiosos, políticos ou partidários, por exemplo. A proibição do que não pode fazer o professor deverá ser escrito em cartazes expostos nas salas de aula dos ensinos fundamental e médio.
Conservadorismo – O doutor em comunicação pela Universidade do Texas (EUA) e mestre em comunicação pela Universidade de Brasília (UnB) Sérgio Euclides Braga Leal de Souza, professor há 30 anos, afirma que a proposta extrapola os limites escolares. Ele entende-a como parte de um movimento conservador para reconquistar o terreno perdido nos últimos anos, tanto no Brasil como em outras partes do mundo.
Sérgio Euclides Braga acentua que quem está reagindo não tem poder para barrar a história nem impedir os avanços. “Penso que essa onda conservadora, que tem suas especificidades no Brasil, mas que é um fenômeno mundial, se deve às mudanças estruturais, até de paradigmas civilizacionais, que o mundo vem observando nos últimos trinta anos”, diz o professor. Ele ainda enxerga nesse tipo proposta um retorno ao passado, a uma época em que a situação não se mostrava tão conturbada e opaca.
Família – O senador Magno Malta, pastor evangélico, defende-se: “Quem educa é a família”. Ele repete ainda que “educação é obrigação de pai e mãe”. Sobre as reações ao projeto de sua autoria, o parlamentar responde que “alguns professores querem ser educadores”. O Sindicato dos Professores no Distrito Federal (Sinpro-DF) dá outro nome à proposta: Lei da Mordaça.
O Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes) vai na mesma linha, denominando o projeto de lei de “Escola com Mordaça”. A questão provoca reações radicais. A deputada distrital evangélica Sandra Faraj (SD), pediu, em julho deste ano, “providências legais cabíveis” contra um professor do ensino médio de Ceilândia. Ele passou trabalho aos alunos abordando questões que envolvem a sexualidade, como homofobia, e “integração entre gêneros”.
Engessamento pedagógico
Cléber Ribeiro, da diretoria colegiada do Sinpro-DF, argumenta que a finalidade do projeto de lei é, simplesmente, “engessar” todo o processo pedagógico. Já o secretário-geral da Andes, Alexandre Galvão, vê contornos mais amplos na proposta: impor limites à liberdade no País, tendo como base exatamente os ensinos fundamental e médio.
Nas palavras de Cléber Ribeiro, a finalidade é “engessar o direito de cátedra, uma vez que o projeto tenta estabelecer limites à ação pedagógica. No conjunto do que está sendo posto, se percebe a limitação”. Ele deposita suas esperanças no Supremo Tribunal Federal (STF), argumentando que membros da corte consideram que o projeto viola a Constituição Federal. Mesmo já mirando o STF, Ribeiro acredita que o Legislativo não aprovará o projeto de lei.
Estado laico – Alexandre Galvão sustenta que é falsa a ideia de uma educação sem ideologia, que o projeto reduz a política a uma questão partidária e, portanto, “precisa ser derrubado”. O diretor-geral da Andes vem na contramão da justificativa para o projeto de lei. Ele responde que a escola precisa, sim, discutir moral, sexualidade, política e tudo que é importante na vida das crianças, jovens e cidadãos adultos. Em síntese, sublinha que o Estado é laico e que os estabelecimentos públicos de ensino estão alinhados com a Constituição.
Sinpro e Andes já estão engajados para impedir a aprovação do projeto no Congresso. Igualmente estão trabalhando para mobilizar a sociedade para combater o que chamam de “agenda conservadora”. O texto da proposta tramita no Senado e foi debatido na Comissão de Educação, Cultura e Esporte na quarta-feira (16), por iniciativa da vice-presidente do colegiado, senadora Fátima Bezerra (PT-RN). Ela faz parte do grupo de parlamentares que desejam impedir a aprovação do projeto de lei.
Intolerantes e sem argumentos
A senadora Fátima Bezerra (PT-RN) foi à tribuna para fazer um relato da audiência pública na Comissão de Educação, Cultura e Esporte na quarta-feira (16). Ela chama os apoiadores do projeto de lei de intolerantes e sem argumentos. E contou sobre sua satisfação: todos os debatedores que foram à audiência rejeitaram a proposta por unanimidade.
Fátima Bezerra afirma que o programa Escola Sem Partido é inconstitucional, reduz a liberdade de expressão dos professores e impede que o ambiente educacional apresente “a vida como ela é”. Para a senadora, “a escola não pode estar dissociada do contexto onde ela está inserida e, portanto, ela não pode se omitir do debate, seja no que diz respeito às questões de gênero, de orientação sexual, de religião, de raça e de etnia”.
Falsidade – A subprocuradora-geral da República Deborah Duprat concorda com a senadora e chama o discurso da neutralidade da educação de falso. Ela ressalta que “somos todos seres inseridos nos nossos espaços sociais e nunca haverá uma ideia ou valor neutro, pois já traz em si a percepção de algo valioso sendo, portanto, objeto de defesa”.
Em síntese, acentua que o projeto de lei impede o pluralismo das ideias nas escolas e a liberdade dos educadores, além de ferir a Constituição. Inclusive lembra que tanto o Ministério Público quanto a Advocacia-Geral da União já manifestaram-se pela inconstitucionalidade da proposta.
As senadoras Regina Sousa (PT-PI) e Gleisi Hoffmann (PT-PR) dizem que o texto revela o avanço de valores conservadores e ameaça direitos sociais conquistados pela sociedade brasileira. “Escola sem Partido não é apenas para não se buscar consciência, mas para formar mão de obra para o mercado, para que as pessoas trabalhem e produzam sem incomodar o status quo”, diz Gleisi Hoffmann.
Neutralização – A intenção do projeto de reduzir conquistas e impedir a liberdade de discussão nas escolas também é apontada pelos representantes da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Camila Lanes, e da União Nacional dos Estudantes (UNE), Iago Montalvão. “O projeto é parte de uma ofensiva para impor uma formação acrítica, tecnicista e não emancipatória”, afirma Iago Montalvão.
A opinião é compartilhada por Cléo Manhas, representante da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, para quem o movimento Escola sem Partido visa combater conquistas sociais como a igualdade de gênero, a liberdade religiosa e os direitos de homossexuais.
Ameaça – Já na avaliação de Fernando de Araújo Penna, professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF), o programa é uma ameaça à educação democrática, na medida em que tenta reduzir o trabalho dos professores a uma relação de consumo. “O professor é visto como um mero prestador de serviço”, observa, mostrando ainda que os defensores do programa divulgam, nas redes sociais, mensagens com conteúdo ofensivo a professores e estudantes.
Na presidência do debate, na Comissão de Educação, na audiência de quarta-feira (16), Fátima Bezerra lamentou que o advogado Miguel Nagib, um dos propositores do programa Escola sem Partido, tenha recusado o convite para participar do debate promovido pelo colegiado. Apoiadores do projeto fizeram manifestação no plenário da comissão e foram retirados do local.
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