Letícia Sallorenzo
Existem várias formas de se controlar e manipular uma pessoa. Todas elas são sensoriais, psicológicas. Trabalham os medos, inseguranças e o desconhecido. Um marido abusador, por exemplo, intercala momentos de amor e carinho com momentos de agressão e violência. Esse comportamento tem o objetivo de manter o controle psicológico sobre a mulher abusada, que se sente (esse verbo não foi usado por acaso) culpada por tudo o que acontece à sua volta.
Manipulação sem alguma forma de ameaça não é manipulação: “Cuidado com o velho do saco! Ele vai te levar embora e você nunca mais volta pra ficar com papai e mamãe!”, diz alguém para uma criancinha agitada e inquieta. A criancinha, diante da ameaça de perder pai e mãe, fica quieta. E, com isso, um adulto controlou psicologicamente o comportamento de uma criança e a fez agir conforme a vontade dele.
O objetivo é exatamente este: controlar o comportamento de uma pessoa de forma a que ela se deixe levar por suas sensações, emoções e inseguranças, e assim passe a agir contra seus próprios interesses.
A “lógica” do professor doutrinador se encaixa na “lógica” chantagista do velho do saco, descrita acima: é uma entidade mágica, sobrenatural, do outro mundo, que vai “controlar a mente do seu filho, e vai afastá-lo por todo o sempre do seio da família”.
Ou, como disse semana passada o deputado federal Eduardo Bolsonaro, “o professor é pior que um traficante, pois o traficante não causa tanto dano às famílias quanto um professor, já que o professor pode levar a discórdia para dentro de casa”.
E assim, vamos atacar um profissional que, ao fim e ao cabo, tem como função ensinar seu filho a raciocinar, pensar, ponderar – e, desta forma, e quebrar o processo da manipulação.
Também, pudera: no momento em que a manipulação te faz pensar, raciocinar, você se liberta do medo, da insegurança. A capacidade de raciocínio é o que difere a nós, humanos, das demais espécies que habitam este planeta. É o que nos permitiu e permite evoluir enquanto espécie e enquanto sociedade.
E quanto mais controlado e manipulado for o processo de aprendizagem, pior será o rendimento do aluno, pior será a qualidade do ensino – e, lá na frente, pior será o desempenho econômico e social de todo um país. Quem ganha e quem perde com isso?
Esperar que um professor transmita ao aluno apenas o que os pais querem é cair na esparrela da famosa “educação bancária” descrita por Paulo Freire: o professor deposita informação no cérebro do aluno e o aluno faz uma prova, e assim demonstra que os depósitos estão rendendo.
Pior: é tratar um ser humano em formação como um objeto passível de controle. É desrespeitar a própria essência humana do processo de ensino-aprendizagem.
Os defensores da teoria da doutrinação formularam o famigerado projeto “Escola Sem Partido”, mais conhecido como Lei da Mordaça. São as mesmas pessoas que são contrárias à proibição de castigos físicos contra crianças – afinal, os que se autoproclamam defensores da família costumam ser adeptos do homeschooling, do autoritarismo e da violência – violência essa que, quando ocorre no interior da família, é justamente na escola que é identificada.
Professor é aquele que dedica sua vida à educação, a despeito de condições ruins de trabalho, de salários defasados e de, muitas vezes, correr riscos no exercício de sua profissão, como sofrer acusações infundadas que cultivam o ódio.
Já criminoso é aquele que incita a violência, que propaga fake news, que é conivente com desvio de recursos públicos. Criminoso é quem incentiva ações antidemocráticas e questiona eleições democráticas, utilizando-se da estrutura e de cargos públicos para isso.
Professor, no final das contas, é quem desdoutrina o aluno.
E escola é lugar de ser feliz e livre. A atitude de Eduardo Bolsonaro é um insulto à inteligência de professores e de responsáveis.
Defender a educação é defender a cassação de Eduardo Bolsonaro. Assine a petição: chng.it/W5DF246cNF