Gutemberg Fialho (*)
Está aberta a temporada dos refletores cor-de-rosa nos órgãos públicos do DF. E também a dos mutirões de retirada de câncer de mama e reconstrução de mamas. Nada contra a cor, e menos ainda contra as cirurgias – necessárias o ano inteiro.
A questão é que a saúde da mulher, de modo geral, vive negligenciada pela gestão pública. E, no Outubro Rosa, a campanha de conscientização é desculpa para uma grande campanha de publicidade do governo, que não coloca nem ginecologistas nos postos de saúde.
Sou médico ginecologista e, sinceramente, acho que os mutirões são importantes. Não há qualquer crítica quanto a isso. Mas, não podem ser o carro-chefe das políticas públicas de saúde. Saúde é feita no dia a dia: na prevenção, no acompanhamento e no tratamento. E não temos isso no DF. É vergonhoso!
Na vida real, sem ser essa de outubro, o que a gente vê são filas para mamografias. O que eu vejo nos hospitais são filas, inclusive, para ter acesso ao ginecologista. É absurda a quantidade de mulheres que desistem de cuidar da saúde porque o sistema não funciona. Sei disso porque muitas delas vão parar em meu consultório e relatam que, no que depender da boa vontade da gestão da Saúde, nada anda.
Vou dar um exemplo claro: a Secretaria de Saúde afirma que há 11 mamógrafos na rede pública do DF. O número é bom: cada aparelho pode fazer, em média, 480 exames/mês. Esse quantitativo seria suficiente se não fossem máquinas antigas, que precisam de uma série de insumos para funcionar. E mais: segundo servidores, faltam manutenção e recursos humanos para lidar com os mamógrafos.
Além da questão do câncer de mama, que é o mais comum e o que mais mata mulheres, há ainda diversas outras doenças que acometem as mulheres, como o câncer do útero. E estas não são prevenidas, acompanhadas ou tratadas. Aliás, a prevenção parece ter saído dos conceitos de saúde no DF: a Atenção Primária nunca foi tão escassa e negligenciada.
O que quero dizer, no fim das contas, é: não se tratam doenças apenas em outubro. A campanha do Outubro Rosa é importante e tem muito valor. Em especial quando falamos de autocuidado. Mas, o que vale é a ação. Saúde coletiva é construção. E essa é feita no dia a dia, com investimentos, compras de equipamentos e insumos e contratação efetiva de servidores – que devem, sim, ser valorizados.
A população mais vulnerável, aquela não consegue arcar com os custos de planos de saúde ou de exames, continua sofrendo. O mês acaba e as filas continuam. A propaganda termina e as mortes evitáveis seguem virando estatística. Até quando?
Prédios coloridos não movem moinhos. Gestão pública é coisa séria. Saúde tem que ser prioridade o ano inteiro.
(*) Presidente do SindMédico-DF