Gutemberg Fialho
A medicina de família e comunidade do Distrito Federal está sobrecarregada. Com unidades de emergência e UPAs restringindo a aceitação de pacientes, com a decretação de bandeira vermelha e laranja a todo momento, pacientes estão sendo devolvidos “ao postinho”. E, não raro, sendo mandados com quadros clínicos difíceis de resolver sem a estrutura de hospital, que não existe nas Unidades Básicas de Saúde.
Uma hora, é um paciente com uma alteração cardíaca que precisa ser avaliada por médico especialista; exames que não são feitos em posto de saúde – porque não tem equipamento nem médico treinado para fazer a interpretação do exame –; outra hora uma paciente com diminuição de ritmo dos batimentos cardíacos, uma bradicardia, que pode precisar de marcapasso de urgência (que não tem nas UBSs).
E não os problemas não ocorrem apenas com adultos. Na pandemia, todo mundo aprendeu que o nível de saturação de oxigênio no sangue é considerado normal entre 95% e 100%. Tem criança sendo devolvida aos postos de saúde com saturação em 79%. E as UBSs estão sem salbutamol, medicamento usado tanto para tratamento de asma quanto de doenças pulmonares obstrutivas.
O gestor público que deixa isso ocorrer não sabe o que é ver uma criança com dificuldade de respirar e não ter como ajudar.
No final de semana, uma colega que atende em UBS desabafou comigo que um paciente dela, com apenas sete meses de idade, só conseguiu atendimento no pronto-socorro do Hospital Materno Infantil (HMIB) quando chegou ao estado de anúria (quando não se produz ou elimina a urina, por obstrução das vias urinárias ou insuficiência renal aguda). E a mãe teve que peregrinar por três hospitais até conseguir atendimento.
Quando o paciente é devolvido para o posto de saúde, ele e a família já chegam lá com raiva, com o sentimento de revolta de quem está sendo maltratado. E os médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e agentes comunitários, que se tornam alvo dessa raiva, muitas vezes não têm como dar a assistência que esses pacientes e essas famílias precisam.
As UBS são a porta preferencial de entrada no sistema público de saúde, mas não são a única. Se o paciente tem necessidade urgente de atendimento, tem que ser atendido nas UPAs e emergências hospitalares. UBS não é UPA, não tem estrutura para atender todas as urgências e emergências.
Há uma grave crise no sistema público de saúde, a qual está sendo encoberta com o recurso das bandeiras vermelhas sem fim: médicos e demais profissionais de saúde em quantidade insuficiente. E o GDF não está desenvolvendo ações para atrair e manter médicos no quadro de servidores da Secretaria de Saúde.
É uma questão de vontade política e de compromisso com a população: médico para contratar não falta em Brasília. Se derem as condições de trabalho, a assistência aos pacientes vai melhorar.
Ou passamos a tratar de forma sistêmica a organização das redes de atenção à saúde do DF, ou o caos vai continuar e até piorar. É imprescindível acabarmos com a fragmentação e a desorganização do sistema público de saúde. Essa é uma missão ignorada pelo atual governo e que tem de ser encarada de frente pelo próximo, com empenho redobrado.