Gutemberg Fialho
Logo depois de o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), ter feito o comentário discriminatório de haver uma proporção muito maior de pessoas “trabalhando do que vivendo de auxílio emergencial” fora do eixo Sul-Sudeste, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, disparou outro comentário discriminatório, ofensivo e descabido, ao chamar Brasília de “ilha da fantasia”. Dois comentários ofensivos, deslocados da realidade e que revelam despreparo de boa parte dos políticos brasileiros.
Para Rui Costa, “botar a capital do País longe da vida das pessoas (…) fez muito mal ao Brasil”. A “ilha” do ministro é a terceira maior cidade do Brasil, com mais de três milhões de habitantes. E a transferência da capital para longe do litoral, concretizada em 1960, já era prevista na primeira Constituição do período republicano brasileiro, desde 1891.
A concretização dessa previsão constitucional por Juscelino Kubitschek foi o carro-chefe de um projeto desenvolvimentista para o Brasil, ainda não plenamente concretizado, mas que muito contribuiu para o desenvolvimento do País.
Brasília recebeu e recebe gente de todo o país, que veio e continua vindo em busca de trabalho e melhores condições de vida. Só 55% dos residentes nasceram aqui. Os outros são brasilienses de coração.
Além de ser um retrato de todo o espectro da população brasileira, o DF também é um retrato das desigualdades do nosso país: a pouco mais de 30 quilômetros do Lago Sul, bairro com a maior renda per capita do Brasil, temos o Sol Nascente, considerado a maior favela da América do Sul.
Rodeado de toda essa diversidade, Rui Costa vê em Brasília uma ilha da fantasia porque vive em uma realidade paralela à do cidadão comum, como vivem outros políticos profissionais. Cercados de privilégios, esses políticos e suas famílias usufruem de vantagens e aparatos que o cidadão comum não tem. E transportam suas redomas de distanciamento da realidade do país para onde quer que vão.
O morador médio do DF não tem essas mordomias. E mesmo o ministro tendo se justificado dizendo que a crítica se referia à classe política e não à cidade, continua errado. Não vou generalizar e criminalizar a atividade política, o que é um erro. Mas as facilidades e privilégios de que se serve parte dos nossos políticos e suas famílias existem em todo lugar.
Em março deste ano, por exemplo, uma enfermeira foi nomeada conselheira do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da Bahia. Não por seu trabalho, mas por ser esposa de um ex-governador. Adivinha qual? Ele, mesmo, Rui Costa.
Não seria por trabalhar em outra cidade que políticos como o ministro Rui Costa teriam uma postura diferente em relação à realidade do país e do povo brasileiro. Não é pela falta da vista diária de uma favela ou de gente morando debaixo de viadutos que eles deixam de representar os melhores interesses do conjunto da sociedade.
Não é Brasília que distancia os políticos do povo. Brasília é de todo o povo brasileiro. Eles se distanciam do cidadão comum quando passam a representar interesses econômicos ou ideológicos de grupos específicos ou se prestam a qualquer coisa para manter uma posição de destaque na sociedade.
O político desconectado do povo existe em qualquer lugar e é dono de uma ilha da fantasia portátil que carrega para qualquer lugar que vá.
Comentários discriminatórios e equivocados como o de Rui Costa só alimentam o clima de discórdia e polarização existente no Brasil e são dispensáveis. Só resta perguntar ao ministro a mesma coisa que o rei Juan Carlos I da Espanha perguntou a Hugo Chávez na Conferência Ibero-Americana de 2007, no Chile: por que não te calas, Rui Costa?
(*) Presidente do SindMédico-DF