Tive notícia, esta semana, de que uma colega médica, ex-diretora do Sindicato dos Médicos do Distrito Federal, pediu demissão da Secretaria de Saúde. Profissional séria, competente e comprometida, sempre desempenhou com esmero as funções que exerceu, como médica, em cargo de chefia e na luta pelo aperfeiçoamento do sistema de saúde e da atividade médica – vi isso de perto em sua passagem pelo sindicato.
Depois de mais de uma década de dedicação, ela desistiu. Não está deixando o serviço público para ganhar mais na iniciativa privada. Foi porque não suporta mais ver os desmandos e os desacertos na condução do sistema público do DF. Desistiu porque não quer se submeter e assistir, impotente, à inoperância, à incompetência e ao descompromisso se perpetuarem na condução das políticas de saúde. Nenhum de nós quer.
Todos queremos notícias positivas sobre a saúde pública, seja no DF, no país ou em qualquer lugar do mundo – sejamos nós profissionais de saúde, pacientes, gestores ou governantes. Esse desejo, no entanto, não pode se tornar uma fuga à realidade ou uma inversão de prioridades. As boas notícias que gostaríamos de ter são de soluções para os problemas estruturais do SUS, mas o que se percebe dia a dia é um foco distorcido.
Exemplo
Por exemplo: enquanto a imprensa noticia a suspensão de cirurgias no Hospital de Base por falta de insumos (mais um capítulo da crise sem fim do Instituto de Gestão Estratégica de Saúde (IGES), o secretário da Pasta declara que a construção de uma Unidade Básica de Saúde com foco em práticas integrativas e ensino no campus da UnB da Asa Norte está na “agenda prioritária”.
Outra ilustração: com número insuficiente de clínicos, a emergência do Hospital Regional do Gama é palco de óbitos evitáveis, situação que se repete em outras especialidades médicas e outras unidades de saúde em todo o DF. Mas a prioridade do governo é inaugurar prédios de UPAs e UBSs sem ter profissionais em quantidade suficiente para o pleno funcionamento delas.
Essas são as boas notícias que estão aí: uma UBS modelo para ensino e práticas inovadoras na área nobre do DF e novos prédios para o parque hospitalar. Não se nega que têm valor, mas o reflexo delas na melhoria real da assistência à saúde da população é baixo, se não inócuo. Não tenho conhecimento de nenhuma publicação científica que afirme a eficácia terapêutica de ter um prédio novo para olhar.
Secretaria de Saúde
A realidade é que as práticas de gestão da Secretaria de Saúde do DF têm que ser revistas. A necessidade é estancar o escoadouro de recursos públicos instalado no IGES. A prioridade tem que ser regularizar e manter a constância do abastecimento de insumos, equipamentos e medicamentos e contratar médicos e demais profissionais em número suficiente para garantir o fluxo do atendimento à população que precisa do SUS.
Insistir na velha prática de construir prédios e fazer reformas para instalar ali uma placa e chamar coletiva de imprensa pode até render momentos de glória e dar um contentamento passageiro à população. Mas, para fazer história, é necessário encarar de frente e atacar com seriedade os problemas estruturais da saúde pública – o que pode não render uma placa de bronze, mas salva vidas e muda a realidade da nossa população.
Como disse o saudoso Dr. Jofran Frejat em entrevista à jornalista Paola Lima, em 2010, “tem de haver é uma política de saúde e não política na Saúde”.
Eu entendo a motivação e lamento muito o pedido de demissão da colega de quem falei no início. E desejo que ela encontre a realização onde e como for exercer a medicina. É uma perda para o serviço público. Mas eu e muitos outros continuamos na luta que ela travou até aqui pela conscientização e pela melhoria na oferta de assistência à saúde com qualidade à população da nossa cidade. A guerra só acaba depois da última batalha vencida.
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasília Capital