Há 49 anos, a população da pequena Olhos d’Água, distrito de Alexânia a 90 quilômetros de Brasília, reserva o primeiro fim de semana dos meses de junho e dezembro para a Feira do Troca. Desde 1974, o evento criado pela falecida professora da UnB, Laís Aderne, transforma a cidade num destino turístico e dá oportunidade ao comércio e aos artistas locais de obter ganhos extras maiores do que em qualquer outra época.
Mas, este ano, por obra e graça da Pontifícia Igreja Católica, a Feira do Troca viveu seus piores momentos neste meio século de existência. Dizendo-se proprietária do terreno da praça central da cidade, a Diocese de Anápolis proibiu a instalação de barracas, tendas e palcos, onde os artesãos vendem sua produção e os artistas mostram seu talento.
A escalada de truculência e arbitrariedades vem sendo perpetrada desde junho, quando o padre Cleyton Francisco Garcia anunciou a proibição do uso da Praça Santo Antônio, em frente à igreja, para realização do Troca. E a violência chegou ao ápice no início da noite de sábado (2), quando a Polícia Militar de Goiás, por solicitação da Igreja e determinação do prefeito de Alexânia, Alysson Lima (PP), resolveu fechar os bares que funcionam em volta da praça.
Os militares cumpriam ordens de evitar qualquer barulho que pudesse perturbar a celebração de uma missa de desagravo ao pároco Cleyton Garcia, com a participação de mais dois padres – Allan Carlos e Israel Adriano, da Paróquia Imaculado Coração de Maria, de Alexânia – e um diácono (Francisco)
Quando a missa começou, a PM invadiu os bares para desligar o som – há anos, os comerciantes cumprem religiosamente um acordo de baixar o volume da música nos horários de missa. Uma DJ argumentou que já havia diminuído o volume. Mas o comandante da operação determinou a apreensão de seus equipamentos e ainda sua prisão.
Dani Lima foi jogada num camburão. Proprietários, funcionários e frequentadores dos demais estabelecimentos protestaram contra a violência injustificável. Mas os policiais não se intimidaram e reagiram jogando gás lacrimogênio e de pimenta, atingindo outras mulheres, crianças e idosos (assista o vídeo).
Escalada
Este, no entanto, não foi o primeiro ato arbitrário do padre Cleyton. Poucos dias após anunciar a proibição do Troca, ele mandou demolir, durante uma madrugada e sem aviso prévio, o coreto da praça, alegando que o local era usado pelos jovens para consumo de álcool e drogas ilícitas. Dias depois, a Igreja arrancou parte do gramado para instalação de bloquetes para construção de “estações da Via Sacra” – um projeto de péssimo gosto.
Às vésperas do Troca, na segunda-feira (26), o subprefeito Christian “Alemão” amanheceu cumprindo uma ordem do prefeito Alysson Lima de derrubar as árvores da praça, também a pedido do padre Cleyton.
Populares se mobilizaram para impedir o “serviço”. A dona de uma pousada, identificada pelo prenome Araci, apoiadora do padre, tentou intervir a favor do tesoureiro da paróquia, Jeferson, que, não se sabe porquê, coordenava o trabalho. Dizendo-se ameaçada, Araci chamou a polícia.
Árvores raras
Em meio à confusão, o trator derrubou três árvores, entre elas exemplares de espécies raras, como uma Maria Preta e um Jacarandá. Indignados, os movimentos sociais e a população marcaram atos(pacíficos) de protesto para sábado (2). Entre eles, o enterro simbólico da Maria Preta, e um desfile de personagens caracterizados como Papa e uma mãe de santo, entre outros; e o uso de camisetas pretas e a afixação de faixas nas casas em sinal de luto.
Tudo transcorreu de forma relativamente tranquila durante o dia. Exceto um bloqueio feito durante a manhã pela PM para impedir a movimentação de carros e pedestres na praça Santo Antônio. O aparato não foi tão rigoroso à tarde.
Mas retornou com força total à noite. Após a PM “limpar” a área, esvaziando à força os bares e restaurantes, padre Cleytoncelebrou a “vitória” com uma missa campal em frente à Paróquia. A assistência estava reforçada por fieis trazidos de Alexânia, uma vez que boa parte da comunidade católica de Olhos d’Água não concorda com a postura daquele que, em vez de desagregador, deveria ser o líder da comunhão do rebanho do vilarejo.
Saiba+
A Feira do Troca acontece há 49 anos, na Praça Santo Antônio. Após a 96ª edição, em junho, o padre Cleyton anunciou, durante uma missa na Paróquia Imaculada Conceição, em Alexânia, que construiria, no gramado onde ocorre a concentração, “estações da Via Sacra”, restringindo o acesso de transeuntes.