Meus (poucos) amigos dizem que sou bruxa. Antecipo desfechos, prevejo catástrofes, inauguro festejos, estouro o espumante, brindo antes que o motivo se apresente. Eu discordo. Não tenho poderes mágicos, sobrenaturais ou coisa parecida.
O que tenho é um coração que não se limita a batimentos ordenados. A vida não pode ser restrita ao que nos é dado. O que foi dado não pode ser ostentado. A graça da coisa está em ir além daquilo que é de graça. Além do explícito, além do dito. O não-dito, o inter-dito me interessa muito mais.
Aliás, a bem da verdade, tenho certa simpatia pelas bruxas. São inteligentes e ousadas. De resto é puro escancaramento daquilo que todos temos – a face cruel e sórdida, negada em eufemismos e moralidade.
Voltando ao tal apelido, permita-me explicar melhor: a mulher casa-se com sua perfeita antítese. Ela gosta da serra, ele do mar. Um é água do mar, o outro água com açúcar. Nem nos pecados capitais eles combinam. Ela é pura luxúria, ele preguiça. Ele gosta de samba, ela de ópera.
Perfeitamente dissociados um do outro. Em comum somente o segredo. Não deixe que descubram nossa farsa. E, sobretudo, no me quit te pas, não me deixe só. Cúmplices na infelicidade. Não é tristeza. Tristeza é presença, digo infelicidade. Este prefixo faz toda a diferença: in-feliz. Falta algo, falta, ausência.
E depois me chamam de bruxa por anunciar que não vai dar certo. Deus! Não deu nem nunca vai dar. E assim escolhemos profissões que não nos alimentam, alimentos que não nos preenchem, sonhos que não nos fazem flutuar.
Pegamos nossos desejos em prateleiras com etiqueta de produto em promoção. Qual é a divindade em saber que isso será, sob uma perspectiva positiva, algo passageiro; ou sabe-se lá, o pior cenário de todos: uma vida inteira em plena dicotomia entre o real e o imaginário.
E vão-se os anos. Os dias, as noites, as dores de cabeça. E você busca apoio médico, divino, ou de uma bruxinha de plantão.
Lá vai mais uma premonição: só você pode quebrar o feitiço. Você é quem tem o cajado. É você o remédio, a bússola. Você!