Ricardo Nogueira Viana (*)
Junho começou com a polêmica sobre a realização da Copa América no Brasil. Após a rejeição de dois países sul-americanos, o governo brasileiro agiu rápido junto à CBF e incorporou o torneio. Quase meio milhão de mortos, pandemia descontrolada, UTIs lotadas. Mas isso não importa, pois com o intuito de apascentar os ânimos, é hora de distribuir o pão e erguer o circo.
O respeitado Tite e sua esquadra prometeram não desviar o foco do seu objetivo: classificação para a Copa do Mundo. Mas irão se pronunciar após o jogo desta terça feira (8). Especulações dão como certa a recusa da esquadra brasileira de participar da competição, e indigita-se até a demissão do seu mentor.
Pão e circo era a manobra utilizada pelo governo romano para manter a população fiel e disciplinada. Assim, distribuía-se comida à população e disputas esportivas no Coliseu, motivo pelo qual o Império Romano permaneceu forte e coeso para estender os seus domínios.
Em 1970, ápice da ditadura militar, o governo Médici interveio diretamente na escalação da Seleção tricampeã, nominando jogadores e destituindo o técnico. Parece distante, mas décadas após, o Poder Executivo novamente se utiliza do futebol como forma de manipulação.
Em meio a 470 mil mortos, políticas negacionistas, hospitais e cemitérios abarrotados e uma CPI que diariamente descortina as entranhas de um governo omisso e desleal para com a população, traga-se a Copa. Desvia-se as atenções e divirta quem viveu, ou melhor, quem conseguiu driblar o vírus. Sim, as tendas circenses se formariam diante das quatro linhas e a fantasia de palhaço seria investida de verde amarelo, capitaneada por Firmino e sua trupe.
O que o governo brasileiro não mensurou é que este esporte de resultado, alto nível, em que os seus partícipes ficavam atrelados aos seus patrocínios e ensaiavam seus colóquios, vem surgindo em uma nova roupagem, de atletas questionadores, os quais se posicionam e agem como multiplicadores de opiniões.
Foi assim no movimento Black lives matter, ocasião em que esportistas de diferentes modalidades se posicionaram e chegaram a interromper suas atividades com o fito de combater o preconceito racial. Sim, vidas negras importam, assim como a vida de todo cidadão que se encontra carente de vacinação, atendimento médico e desempregado, tudo por conta da ausência do Estado em combater uma doença que teve os seus danos previamente diagnosticados e o Brasil poderia ter se prevenido e agido a tempo de diminuir os seus óbitos.
O que se evidencia, além da estratégia governista, é o desprezo desta competição, a qual será feita sem público, não vale vaga para a Copa do Mundo e já foi rechaçada por dois países, o que demonstra sua irrelevância.
Dez delegações, com cerca de 65 pessoas, sem público, mas aglomerações externas são certas, novas cepas, mais contaminados, hospitais, UTIs e mortos. O Brasil já cambaleia com a realização do Campeonato Brasileiro, quiçá trazer uma nova competição neste momento, desnecessário.
Em 1970, João Saldanha tomou cartão vermelho do comando da Seleção após não concordar com a interferência do governo militar na escalação de seus jogadores. Dadá Maravilha entrou na lista, assim como Zagallo que substituiu João sem medo, alcunha atribuída a ele por Nelson Rodrigues, por fazer parte do partido comunista e ostentar essa posição em épocas sombrias.
Tempos após, vivemos em uma democracia e a Seleção Canarinho não mais se deixará manipular. Assim esperamos. Tite perdeu a última Copa e foi aclamado para continuar no posto. Sua substituição por interesses escusos é imprópria e inadequada.
Aguardemos o posicionamento da nossa matéria-prima, os jogadores e comissão técnica, os quais se deram conta de que, além de driblar e chutar, são também capazes de inventariar valores e se posicionarem de forma coerente com o momento.
Se o governo quer fazer o seu pão, não conte com os jogadores para mexer o trigo. Se quer montar o circo, escolha outras chuteiras.
(*) Delegado Chefe, 6ª DP e professor de Educação Física