A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, denunciou nesta quarta-feira (19) o presidente da República, Michel Temer, e outras cinco pessoas por corrupção ativa e passiva e lavagem de dinheiro. Apresentada no Inquérito 4.621, a denúncia é resultado de uma investigação instaurada para apurar irregularidades na edição – em maio de 2017 – do Decreto 9.427/17. O ato normativo beneficiou empresas do setor portuário, com destaque para o Grupo Rodrimar, que opera no Porto de Santos. O Grupo foi apontado pelos investigadores como um dos responsáveis pelo pagamento de vantagens indevidas ao presidente da República por meio das empresas Argeplan, Eliland do Brasil, PDA Administração e Participação LTDA e PDA Projeto e Direção Arquitetônica. Os responsáveis pela Rodrimar e pela Argeplan, Antônio Celso Grecco e João Baptista Lima Filho também foram denunciados. Além deles, integram a lista dos acusados: Rodrigo Rocha Loures, Ricardo Conrado Mesquita e Carlos Alberto da Costa. Ao todo, é apontada movimentação indevida de R$ 32,6 milhões.
A ação descreve a existência de um esquema antigo envolvendo o pagamento de vantagens indevidas a Michel Temer por meio das empresas mencionadas na peça. Conforme informações e provas reunidas pelos investigadores, desde 1998, há registros da atuação do emedebista em negociações referentes ao setor portuário. Na época, o então deputado federal e líder da bancada na Câmara fez as primeiras indicações para o comando da Companhia das Docas do Estado de São Paulo (Codesp). O fato foi, inclusive, objeto de inquérito anterior (3.105) instaurado para apurar possível atuação indevida por parte de Temer em benefício de empresas do setor. Anexadas ao inquérito atual, as informações reunidas na primeira investigação contribuíram para comprovar as práticas criminosas.
Na denúncia, a procuradora-geral detalha a situação das quatro empresas, cujos responsáveis formais são João Baptista Lima Filho e Carlos Alberto da Costa. Em um dos trechos da peça é mencionado o fato de o patrimônio de João Baptista Lima Filho ser composto apenas por uma motocicleta e dois veículos, bens incompatíveis com o volume de recursos movimentados por ele. Apenas entre 2012 e 2017 foram mais de R$ 10 milhões. Para Raquel Dodge, os elementos de prova colhidos durante as investigações indicam que a estrutura das empresas serve para “os sócios João Baptista Lima Filho e Carlos Alberto Costa captarem recursos ilícitos, inclusive do nicho econômico do setor portuário destinados a Michel Temer”.
No caso da Argeplan, é destacado o fato de parte dos funcionários da empresa ter trabalhado em campanhas políticas de Michel Temer, bem como em reformas de dois imóveis: a primeira, realizada em 2000 em uma casa do próprio presidente, na capital paulista, e outra, em 2014 na casa da filha dele, Maristela Temer. Nos dois casos, os funcionários não receberam remuneração diferenciada pelo trabalho que, a julgar pelos donos formais da empresa, eram destinados a um terceiro. Para Raquel Dodge, este fato também comprova que a Argeplan “é uma empresa constituída em benefício de Michel Temer”. A constatação de que parte dos R$ 1,3 milhão usados na reforma do apartamento de Maristela Temer foi paga em dinheiro em espécie – aspecto confirmado em depoimentos por prestadores de serviços – reforça o entendimento de que os recursos movimentados pelas empresas ligadas a João Baptista Lima e Carlos Alberto da Costa tinham como origem a corrupção.
Em relação às outras três empresas, as investigações relevaram características comuns como o fato de não terem funcionários contratados para execução dos contratos firmados bem como de não apresentarem a confirmação de serviços prestados. “A falta de vínculos trabalhistas oficiais é completamente incompatível com os valores e contratos milionários relacionados com empresa PDA Projeto e Direção Arquitetônica, assim como o baixo valor de seu capital social (R$ 500,00)”, pontua um dos trechos da denúncia. Na peça, a procuradora-geral frisa ainda que, conforme investigação em curso, a empresa foi utilizada para que Michel Temer recebesse R$1,1 milhão em outro esquema criminoso relacionado à Eletronuclear.
No documento, Raquel Dodge cita relatório produzido pela Secretaria de Pesquisa, Perícia e Análise (SPPEA/PGR), segundo o qual entre 31/08/2016 e 30/06/20171, as empresas receberam R$ 32.615.008,47. O montante foi distribuído da seguinte forma: R$ 20.616.020,07 foram movimentados nas contas da Argeplan; R$ 11.599.597,31 tiveram como destino contras bancárias da PDA Administração e Participação LTDA e R$ 399.391,09 foram para a PDA Projeto e Direção Arquitetônica. A denúncia traz, ainda, relatos de conversas, seja por mensagem escrita, seja por conversas telefônicas entre os envolvidos e outros indícios que retratam aspectos de como este dinheiro saiu dos empresários e chegou ao núcleo político do esquema comandado por Michel Temer.
Além das informações que constavam do inquérito anterior, integram as provas enviadas ao relator do caso do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Luiz Roberto Barroso, documentos apreendidos nas operações Skala e Patmos, ambas realizadas em 2017, além de informações reunidas a partir da quebra de sigilos e depoimentos prestados ao longo do processo de investigação. Também são mencionados fatos apurados em outros inquéritos como o 4.462, que apura o recebimento por Michel Temer de R$ 1,4 milhão, repassados pela Construtora Odebrecht, além do 4.327, que já fundamentou denúncia e refere-se a pagamento de vantagem indevida por parte do Grupo Econômico J&F.
O decreto – Na denúncia, Raquel Dodge explica como se deram as negociações que levaram à edição do decreto que ampliou por até 70 anos a duração de dois contratos entre o poder público e empresas que exploram o setor portuário. As tratativas sobre o tema tiveram início em 2013, conforme apuraram os investigadores e foram intermediadas por Rodrigo Rocha Loures. Uma disputa política entre PT e PMDB (atual MDB) atrasou as negociações, mas a temática era tão urgente para os denunciados que, “apenas dois dias após Michel Temer ser empossado no cargo de presidente da República, houve a constituição do Grupo de Trabalho com objetivo de tratar de instalações portuárias”.
A denúncia inclui ampla documentação e outros elementos de prova, segundo os quais, durante o período das tratativas e, principalmente durante o funcionamento do Grupo de Trabalho, Rodrigo Rocha Loures foi a principal referência do assunto. Ele era o intermediário entre Michel Temer e as empresas interessadas no decreto. No caso da Rodrimar, quem falava em nome do principal acionista era Ricardo Conrado Mesquita, apontado como o responsável pela oferta de vantagem indevida ao chefe do Executivo pelo ato de ofício (edição do decreto). Ainda em relação a Rocha Loures, a PGR enfatiza a sua longeva relação com o presidente. O político foi chefe de Gabinete e da Assessoria Parlamentar enquanto Temer era vice-presidente e depois acabou nomeado como Chefe de Gabinete da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República. Mesmo quando se afastou deste último cargo e reassumiu o mandato de deputado federal, Rocha Loures continuou trabalhando para atender os interesses do presidente, conforme o próprio parlamentar confidenciou a interlocutores.
Sobre o decreto, a procuradora-geral destacou que o ato normativo foi editado mediante infringência de dever funcional. Raquel Dodge enfatizou que acórdão do Tribunal de Contas da União, segundo o qual houve “afronta ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório e ao princípio da isonomia, ambos previstos no art. 14 da Lei nº 8.987/1995 e no art. 3º da Lei nº 8.666/1993, que também prevê o princípio da seleção da proposta mais vantajosa pela administração” . De um lado, Michel Temer recebia os representantes da empresa via Rodrigo Rocha Loures, demonstrando todo seu poderio em beneficiá-la em razão do cargo que ocupava (ato de ofício em potencial) e, de outro vértice, aceitava promessa de vantagem indevida, como decorrência natural de uma perene relação criminosa”.
Pedidos e Cota – Na denúncia, a PGR pede que os envolvidos respondam pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro e que sejam condenados com base nas práticas atribuídas a cada um de forma individualizada. Também requer a perda da função pública e que os acusados sejam obrigados a pagar indenização por danos morais no valor mínimo de R$ 32.615.008,47, além da decretação do perdimento de bens e valores pertencentes às empresas Argeplan, Eliland do Brasil, PDA Administração e Participação LTDA e PDA Projeto e Direção Arquitetônica.
Com a denúncia, Raquel Dodge também enviou um documento chamado “Cota” em que solicita outras providências, as quais deverão ser apreciadas pelo ministro relator. No texto, ela requer que a partir de 1º de janeiro de 2019, denúncia seja encaminhada à 10ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal. É que este foi o destino de parte da denúncia apresentada em decorrência do Inquérito 4.327 e que teve o andamento sobrestado a partir de decisão da Câmara dos Deputados. A PGR também explica que deixou de apresentar denúncias em relação a práticas criminosas em decorrência de previsão da Constituição Federal que impede a responsabilização do ocupante do cargo de presidente da República por atos anteriores ao exercício do cargo. “O novo procurador natural deverá avaliar e decidir o destino dos demais fatos criminosos potencialmente correlatos que deixaram de ser denunciados ante a limitação de ordem constitucional”, completa.